A Geografia das novelas globais

Quando no século XX geógrafos como Milton Santos e Pedro Pinchas Geiger decidiram regionalizar o Brasil – Isto é, dividir o país em regiões relativamente homogêneas -  eles pensaram em critérios comuns a estes espaços. Posto isso, alguns elementos são mais nítidos em relação a outros: a urbanização no Sudeste, a presença da Floresta Amazônica no Norte, a Seca no interior do Nordeste e o avanço agrícola no Centro-Oeste são alguns dos muitos que poderiam ser citados.
Levando em conta a premissa de nossa saudosa Janete Clair de que a Telenovela é um produto popular e talvez um dos programas de mais fácil alcance de nossa nação, podemos admitir que elas também revelam perfis sociais e espaciais da sociedade brasileira. Na busca por relacionar a Geografia com as telenovelas selecionamos 5 produções notáveis e como é possível aprender Geografia com ela. Você é convidadX especial nesta nossa aula. Cola com a gente que não tem erro:

1.    SENHORA DO DESTINO

Se você gosta de Geografia e ama novelas é impossível não ter visto as questões brasileiras retratadas nesta novela. Exibida entre 2004 e 2005 e atualmente no ar na Sessão “Vale a Pena Ver de Novo” a Novela de Aguinaldo Silva já começa toda geográfica quando retrata a saída de Maria do Carmo e de seus filhos de uma área de estiagem no Sertão Nordestino. O destino? Um Rio de Janeiro que efervescia em decorrência da industrialização, o que atraia mão de obra do campo e acentuava o Êxodo Rural (saída de população rural em direção às cidades).
Somado a isto temos ainda o contexto de roubo da filha de Maria do Carmo (Lindalva), realizado pela deliciosa e maléfica Nazaré Tedesco, em meio a protestos contra a Ditadura Militar que vigorava na época, ou seja, só em menos de uma semana o telespectador já tinha um prato cheio para análise geográfica. Soma-se a isso a constituição das comunidades cariocas, a violência contra a mulher, a figura do bicheiro e das escolas de samba e tantos outros elementos que ilustram a realidade suburbana carioca.

2.    SALVE JORGE

Glória Perez é uma autora sempre muito antenada com a sua realidade e quando eu digo “sua” eu quero dizer a realidade da sociedade em geral, uma vez que ela sempre buscou retratar esta em suas obras. Em Salve Jorge (2012/2013) não foi diferente. A proposta era clara: contar a história de mulheres traficadas e como seus direitos ao corpo e à livre circulação são severamente atingidos neste processo.
Glória não foi arbitrária ao escolher a Turquia: é um país que se destaca no segmento de “importação” de mulheres acompanhantes. Pode soar pesado e ofensivo, mas a realidade é desse jeito mesmo e não bastasse isso, Gloria ainda retratou o porquê de uma mulher se sujeitar a ir para um lugar desconhecido trabalhar como modelo, mesmo não conhecendo ninguém no país de destino, destacando as áreas de favelização; a vida difícil da mulher que por vezes é abandonada ou ainda perde o marido cedo e tem que arcar com a administração de uma família inteira. Salve Jorge é uma obra que expressa muito bem não somente uma realidade brasileira, mas latino-americana como um todo.

3.    VERDADES SECRETAS

Ousada, envolvente e chocante. Adjetivos não faltam para a trama escrita por Walcyr Carrasco em 2015. Geograficamente a novela já começa coerente quando coloca a família de Angel morando uma cidade de interior em um conjunto habitacional padrão (as imagens aéreas do começo do primeiro capítulo), mostrando um pouco da política urbana brasileira para tentar solucionar os problemas relativos a habitação de pessoas de classe média baixa e baixa.
Fora isso, ainda é possível ver ao longo da trama o contraste social nítido, especialmente no cursinho que Angel passa a frequentar ao conseguir uma bolsa de estudos; a falta de empatia dos pais em relação à criação de seus filhos, muito bem expresso na relação entre Giovana e Alex e, claro, a questão do Book Rosa, pela primeira vez abordado de forma protagonista em uma novela, revelando um mundo desconhecido de nós, meros mortais.
A cereja do bolo é o desenvolvimento da personagem Larissa, que vai do luxo das passarelas ao fundo do poço da Cracolândia, um problema com raízes históricas e que nunca chegou perto de ser solucionado na história de São Paulo e tem se replicado inclusive em cidade menores do nosso país. Se o objetivo de Walcyr Carrasco e Maria Elisa Barredo era apresentarem ao público as “verdades secretas” de nossa sociedade contemporânea, fizeram com êxito incontestável.

4.    O REI DO GADO

Direto de 1996 uma trama de autoria de Benedito Ruy Barbosa que merece lugar no nosso texto por dois motivos: primeiro por trazer a questão da migração italiana para o Brasil nos primórdios do século XX e sua relação com o ciclo do Café, ciclo esse que foi fundamental para o posterior desenvolvimento das áreas de industrialização no Sudeste do Brasil.
O segundo motivo refere-se ao fato de que, bem ou mal, pela primeira vez uma telenovela retratou com seriedade e atenção a questão da Reforma Agrária brasileira. É muito corajoso da parte do Benedito abordar um tema que, pasmem, em pleno século XX/XXI com tantos avanços na política internacional é tratado como tabu ou ainda “coisa de esquerdista” (ignora-se aqui o fato de que grandes nações desenvolvidas capitalistas já efetivaram este processo tais como EUA e Reino Unido).
Além disso, destaca-se a figura do “senhor do agronegócio” interpretado brilhantemente por Antônio Fagundes, mostrando seu poderio econômico, seus embates com os movimentos sociais campesinos e suas relações políticas fortes, representadas na figura de um senador da República que prestava favores à Bruno Mezenga. Talvez foi uma das poucas obras do horário nobre a tratar o rural brasileiro com seriedade e não apenas motivo de chacota ou risadaria.


Bem, é isso, espero que tenham gostado, embora ainda faltem inúmeras obras que poderiam estar num próximo texto, tais como: Amazônia: de Galvez à Chico Mendes; Um Só Coração, Queridos Amigos, A Casa das Sete Mulheres, Páginas da Vida, O Clone, América, Avenida Brasil, Lado a Lado, etc.