Episódio 02: "Ela é a joia do Atlântico
Leste"
Episódio escrito por:
Luciane Leitão
Personagens deste episódio:
FASE
2020
Diara
(2020) - Zezé Motta
José (2020)
- Lima Duarte
Othelo
(2020) - Flávio Bauraqui
Charlotte
(2020) – Elisa Lucinda
Chloe
(2020) - Claudia Abreu
Helena - Gabz
FASE
1984
Diara
(1984) - Taís Araújo
José (1984)
- Vladimir Brichta
Justine
(1984) – Irene Ravache
Charlotte
(1984) - Heslaine Vieira
Othelo
(1984) - Juan Paiva
Chloe
(1984) - Giovanna Ríspolli
FASE
1963/1964
Diara
(1963) - Jéssica Ellen
José (1963)
- Chay Suede
Azekel - Ícaro
Silva
Núbia - Adriana
Lessa
Marie - Juliana
Silveira
Justine
(1963) - Letícia Sabatella
Desirée –
Patrícia Pillar
“Amar uma pessoa significa querer envelhecer com ela.”
Albert Camus, filósofo francês.
INSERT – Imagens externas do hospital Angela
Veríssimo alternadas com algumas poucas imagens de pontos turísticos de
Curitiba.
MÚSICA
AO FUNDO – “O que é? O que
é?” (Gonzaguinha)
Cena 1. Hospital Ângela Veríssimo (Curitiba).
Recepção. Manhã.
Diara
e sua neta Helena chegam ao hospital com objetivo de visitarem José, marido de
Diara e avô de Helena.
Diara – Bom dia. Viemos visitar o meu marido, José
Louis Lefebvre de Albuquerque.
Recepcionista – Sabe me dizer qual o quarto dele?
Diara – Qual é mesmo, Helena.
Helena – É o 26, vó.
Recepcionista – Achei aqui no sistema. Posso ficar com o
RG ou outro documento de vocês? Carteira de motorista também serve.
INSERT - Diara pega o RG de Helena e o seu RNE.
Diara – Esse é o da minha neta e esse é meu. O meu
é RNE, pois não sou brasileira.
Recepcionista – Tudo bem. Podem ir para o quarto. Pega o
primeiro corredor à esquerda segue até o final.
Diara
agradece e quando está à caminho do quarto ela percebe que Helena está lendo
uma mensagem no celular.
Diara – Você não sai desse celular, não é, Helena?
Vai ficar com problema na vista igual a mim.
Helena – Meu pai mandou mensagem. Acabou de pegar a
tia Charlotte e a tia Chloe no aeroporto e estão vindo direto pra cá. Eles
querem que eu esteja lá no estacionamento externo para ajudá-los a encontrar a
ala certa do hospital.
Diara – Tudo bem. À estas horas eles devem chegar
rápido, já que a Avenida das Torres deve estar sem trânsito. Vai lá, eu vou
ficar com seu avô.
Helena
dá meia volta e Diara segue para o quarto de José.
Cena 2. Hospital Ângela Veríssimo (Curitiba).
Quarto. Manhã.
Diara
bate á porta, mas já vai entrando. José, com a voz já fraca, reage com
felicidade a presença da esposa.
José – Meu amor, você veio.
Diara – Eu tenho te visitado todos os dias, meu
querido. Hoje não seria diferente.
José – A Helena não te acompanhou? Sabe que eu
não gosto de você dirigindo sozinha. Seus reflexos já não são tão rápidos,
minha querida.
Diara
(fazendo graça) – Você está
me chamando de velha, José?
José
(sorrindo) – Estou te
chamando de experiente. Não somos velhos, somos jovens a mais tempo.
Ambos
dão risada. Diara senta-se na cadeira de visitante e pega na mão de José.
José – Você sabe que eu estou prestes a partir,
não sabe.
Diara – Eu sei, meu amor. Eu queria apenas poder
fazer algo pra reverter isso. Eu tenho tanto amor para dividir com você ainda.
José – Se eu vivi quase 90 anos com tanta
felicidade e saúde é porque eu tive o privilégio de dividir a minha vida com
alguém tão especial quanto você, minha joia.
Diara – Você me salvou quando eu mais precisei,
José. Você me fez acreditar em amor de verdade. Eu precisarei viver mil vidas
para lhe retribuir tudo o que você fez por mim.
José – A família que me deste com filhos e netos
maravilhosos é muito maior que tudo o que eu já fiz para você. Bendito seja o
dia em que eu decidi trabalhar como médico voluntário em Angola...
INSERT - 57 anos antes.
Cena 3. Angola. Arredores de Benguela. Manhã.
ANGOLA
1963
MÚSICA
AO FUNDO – “Time” (Pink
Floyd)
INSERT - Desde 1961 Angola vive um estado constante
de guerra na sua luta pela independência em relação à Portugal. Tropas
portuguesas atuam no país e travam batalhas sangrentas com grupos
pró-independência, principalmente UNITA e MPLA. Em meio a isso tudo, um jovem e
apaixonado casal vai na contramão de tanto ódio e violência, porém, a situação
começa a desgastá-los.
Diara
ignora Azekel.
Azekel – Diara, volta aqui. Precisamos conversar.
Diara – Eu já disse tudo o que eu queria para
você, Azekel. Ou você sai da UNITA ou a gente terminará. Eu não quero ter que
enterrar você como fiz com o meu pai.
Azekel – Estamos lutando contra os portugueses para
não fazerem conosco o que fizeram com a África do Sul. Já ouviu falar do
Apartheid? Nelson Mandela foi preso e sabe-se lá quando vai sair da cadeia, se
é que não vai morrer lá. Nosso povo precisa resistir.
Diara – Esses europeus tem muito mais poder de
fogo que a gente, Azekel. Meu pai foi covardemente assassinado por tropas
portuguesas mesmo sem estar diretamente envolvido na luta armada. Eu não quero
te perder.
Neste
instante Diara chora e Azekel à abraça.
Azekel – Calma, meu amor. Eu estou aqui. Eu estarei
sempre aqui.
Diara – Eu preciso ir pra plantação de algodão
trabalhar. Te encontro mais tarde para jantarmos.
Azekel
e Diara se beijam. A jovem vai para o trabalho.
Cena 4. Plantação de algodão. Manhã.
Diara
está trabalhando na plantação de algodão ao lado de sua mãe, Núbia. Elas
começam a conversar sobre a situação no país.
Núbia – Filha eu estou muito preocupado com
Angola. Eu acho que a gente tinha que dar um jeito de sair daqui antes que tudo
piore.
Diara – Eu sei, mãe. Hoje mesmo briguei com o
Azekel por causa do envolvimento dele com a UNITA.
Núbia – Azekel tem que coloca a mão na
consciência. Ele é muito idealista, mas está longe de ser um dos grandes do
grupo. Ele é mais um usado como soldado. Já morreram tantos. Não quero que
ocorra com ele o que aconteceu com meu marido.
Diara – Foi exatamente o que eu disse a ele. Mas
por outro lado para onde iríamos? Todos os países ao redor também estão com
algum tipo de problema.
Núbia – Eu fiquei sabendo por meio de uma moça
inglesa que tava acompanhando o marido que é engenheiro que faz um tempo saiu
algum documento sobre refugiado lá e que a gente pode pedir pra ficar lá se tem
perigo de morrermos aqui.
Diara – Refugiado? O que é isso?
Núbia – Não sei, acho que é quem tá com ameaça de
morte por causa de guerra e vai pra algum lugar seguro. Foi isso que eu
entendi.
Diara – Não sei, mãe. Eu não confio em europeu e
também... ai.
Núbia – O que foi, minha filha?
Diara – Fiquei tonta de novo. Mãe, eu não vou
aguentar trabalhar mais. Estou muito fraca.
Núbia – Filha, vamos ao hospital de campanha que
tem lá perto de casa. Não podemos mais ignorar isso.
Núbia
leva Diara ao hospital improvisado e Diara é examinada por um médico voluntário
brasileiro.
Cena 5. Hospital de campanha. Tarde.
José – Olha, eu analisei todos os sintomas e acho
que já sei o que se passa com você, senhorita...
Núbia – Diara. Minha filha se chama Diara.
Diara – O que eu tenho, doutor. Por favor, não me
diga que é algo sério. Doença de branco?
José – Você está gravida.
MÚSICA
AO FUNDO – “Por enquanto”
(Cássia Eller) – até o fim da cena.
Núbia – Gravida? Minha filha, isso é uma benção.
Diara – Sério?
José – Sim. Você tem sintomas e comportamentos
típicos de quem está no início de uma gestação. Provavelmente você deve estar
grávida de semanas, não sei se completou um mês.
Núbia – Venha, filha. Vamos para casa. Precisamos
dar a notícia para a nossa família e pro Azekel. Muito obrigada, doutor.
Cena 6. Calçada. Tarde.
Núbia
e Diara saem do hospital e Núbia nota um olha abatido da filha.
Núbia – Eu percebi que você não ficou muito feliz
com a notícia. Pensei que quisesse ser mãe.
Diara – Ser mãe eu quero, mãe. Mas não no meio de
uma guerra com o pai dessa criança metido com engajamento militar. O que vai
ser desse bebê?
Núbia – Calma, minha filha. Converse com o Azekel.
Acho que agora com essa criança talvez a situação de vocês mude e ele decida
definitivamente abandonar a UNITA.
Diara – Tudo bem, faz sentido. Vou tentar.
Cena 7. Casa de Diara. Início da noite.
Azekel
chega à casa de Diara.
Azekel – Diara, meu amor? Meu irmão disse que você
queria falar comigo. Boa noite, dona Núbia.
Núbia
– Boa noite, Azekel. Vou deixar vocês dois a sós.
Núbia
se retira.
Azekel – O que foi, Diara? Parece ser algo sério!
Diara – Azekel, você precisa abandonar a luta
armada o mais breve possível.
Azekel – Mas meu amor, de novo esta conversa? Já
não falamos hoje pela manhã que...
Diara (interrompendo) – Eu estou grávida, Azekel.
Azekel – O que? Grávida?
Diara
– Sim, Azekel! Eu já estava com alguns sintomas, mas só hoje tive certeza. Mas
agora eu não sei se é seguro ter uma criança em meio a um país em guerra e com
o pai dela envolvido diretamente na militância armada.
Azekel – Diara, estou a lutar por um país livre
para nosso filho.
Diara – Então não me procure mais, Azekel. Eu
prefiro que essa criança cresça sem saber quem é o pai do que saber que o pai
dela preferiu se entregar à guerra do que garantir estar ao lado dela.
Diara
dá as costas para Azekel. Azekel sai da casa de Diara, mas antes mesmo de
atravessar o portão da casa da amada ele volta.
MÚSICA
AO FUNDO – “Por enquanto”
(Cássia Eller) – até o fim da cena.
Azekel – Diara, você está certa. Eu aceito sair da
UNITA. Eu quero uma família com você. Guerra nenhuma vai me impedir de ser
feliz com vocês.
Diara – Ai, Azekel, é tudo o que eu queria ouvir.
Diara
e Azekel se abraçam e se beijam.
Azekel – Olha, eu vou amanhã mesmo dizer que vou
sair do movimento e também explicar a situação. Eu tenho alguns primos em Cabo
Verde. Não é o melhor lugar do mundo, mas talvez podemos ter um pouco de paz
por lá. Vamos fazer de tudo para esta criança e as próximas que tivermos terem
um futuro bom.
Diara – Sim, vamos fazer de tudo para termos a
melhor vida que for possível.
Azekel – Amanhã eu volto e vamos anunciar para todo
o povo da vila que você está gravida. Será uma grande festa.
Azekel
se despede e vai embora para casa. Diara sorri e diz à mãe que Azekel aceitou
sair da UNITA.
Cena 8. Casa de Azekel. Madrugada.
Azekel
está dormindo quando acorda com um estrondoso barulho vindo da sala.
Azekel – O que é isso?
Azekel
vai para a sala e antes mesmo de notar que os corpos de seus pais e irmãos
estavam estirados no chão ele é alvejado com 2 tiros em direção ao seu peito.
Os
militares do exército português saem do local. Azekel fica agonizando.
MÚSICA
AO FUNDO – “Time” (Pink
Floyd) – até o fim da cena 10.
Cena 9. Casa de Diara. Madrugada.
Diara
também acorda com o barulho. Muitas casas do vilarejo tinham sido invadidas,
especialmente aquelas em que se suspeitavam terem membros pró-independência.
Diara
vai até o quarto da mãe e percebe que a mesma tinha sido baleada e estava
agonizando.
Diara – Mãe? Mããããe. Fala comigo, pelo amor de
Deus, mãe.
Núbia – Eu falei pra eles que a gente não tinha
nada a ver com isso, minha filha. Eu juro que eu falei. Eles não me ouviram.
Diara – Mãe, eu vou te levar pro hospital.
Núbia – Fuja, minha filha. Fuja daqui.
Núbia
morre nos braços de Diara que chora copiosamente, mas ao mesmo tempo está com
medo de ficar e ser assassinada.
Cena 10. Vilarejo. Madrugada.
Diara
percebe que as tropas já haviam ido embora e vai até a casa de Azekel onde
outras pessoas já se aglomeravam para ver o cenário de barbárie.
Diara – Cadê o Azekel? Cadê o Azekel, gente?
Todos
fazem uma cara de pesar e Diara vai até a parte de dentro da casa e vê Azekel
agonizando no chão.
Diara – Azekel, meu amor. Eu disse que isso não ia
acabar bem.
Azekel
(com a voz embargada) –
Eles...eles não se importam se você é pró... ou... contra independência, para
eles não somos nada.
Diara – Eu te amo, meu querido. Eu te amo.
Azekel – Cuida do nosso filho. Eu te a...
Azekel
morre em frente à Diara. Totalmente traumatizada, Diara desmaia e é levada por
alguns vizinhos para o hospital de campanha.
Cena 11. Hospital de campanha. Fim da
Madrugada.
Marie,
uma experiente médica que já havia experienciado atender soldados na Segunda
Guerra Mundial está exausta com a situação da madrugada.
Marie
(com sotaque francês) –
José, a situação está insustentável. Fizeram um ataque surpresa esta madrugada
e tem muitos feridos. A gente vai ter que escolher quem morre e quem sobrevive
aqui no hospital.
José – Eu preciso atender um senhor que acabou de
chegar. Eu não estou conseguindo raciocinar direito agora com esse tanto de
gente pra atender ao mesmo tempo.
Enfermeira – Doutora Marie, tem uma moça em estado de
choque na tenda 9.
Marie – Estou indo lá.
Marie
se desloca para outra tenda e vê Diara deitada em uma maca.
Marie – Minha jovem, qual é o seu nome?
Diara
nada diz.
Marie
pergunta à enfermeira o que tinha acontecido e ela descreve toda a cena que
tinha sido contada por populares minutos antes.
Marie – Coitada, ela perdeu a família inteira em
questão de minutos. Ela precisa de acompanhamento psicológico. Mas não temos
psicólogo aqui. Eu não sei o que vamos fazer.
Marie
se vira para Diara e fala.
Marie – Diara, nós vamos tentar lhe ajudar no que
for possível. Olha, eu vou pedir para que lhe tragam um travesseiro e comida.
Marie
sai da tenda e Diara só consegue chorar copiosamente sem parar.
Cena 12. Hospital de campanha. Manhã.
José
e Marie estão conversando sobre o cotidiano do hospital.
José – Eu dormi tão pouco na última noite.
Acordei não eram nem quatro horas e não consegui mais pregar o sono.
Marie – Eu também não. Estou a dias assim. Eles
intensificaram as batalhas e cada vez mais tem chegado gente ferida, sendo a
maioria inocentes. Sabe, José, eu não sei por que a gente ainda insiste. São
milhares matando e fomentando a violência e a gente vem para essas áreas sem
nenhum suporte significativo tentando fazer algo.
José – Eu sei, Marie, mas imagine que sem
voluntários seja de qualquer área o mundo poderia ser um mundo pior. Lembre-se
de quantas vidas e famílias você salvou na Bélgica durante a segunda Guerra
Mundial.
Marie – Eu me orgulho disso, mas acho que estou
cansada. Já tenho 40 anos e acho que depois dessa guerra eu vou voltar e
trabalhar só dentro da França. Você é um jovem, não tem nem 25 anos ainda. Tem
uma vida pela frente e está cheio de gás.
José – E imaginar que pessoas com a minha idade
neste lugar já perderam tanta gente querida ou até mesmo a própria vida.
Marie – Hoje mesmo eu atendi uma moça que perdeu
de uma vez a mãe, o namorado e alguns amigos no vilarejo onde mora. Pertinho
daqui e foi nesta madrugada.
José – Que horror.
Marie – Eu acho que já tinha visto ela aqui, mas
quem atendeu foi você. Ela tinha vindo com a mãe ontem mesmo. Diara é o nome
dela segundo os vizinhos que a trouxeram.
José (atônito) – Sério?
Marie
– Sim, mas por que a surpresa?
José – Aquela moça está grávida! Eu lembro bem
dela.
Marie – Não acredito! Eu não pude saber, pois ela
está em estado de choque e não conseguiu falar nada, apenas chorar.
José – Me leve até a tenda onde ela está. Talvez
eu possa fazer ela falar.
Marie – Mas, o porquê disso? É perigoso você
assustá-la mais.
José – Aquela moça está sem família e com uma
criança na barriga. A gente precisa fazer algo.
Marie – Você está certo. Venha comigo.
Marie
e José vão em direção à tenda onde Diara está.
Cena 13. Hospital de campanha. Manhã.
José e Marie chegam à tenda onde Diara está.
Diara está sentada de olhos abertos e sem se comunicar com ninguém.
José – Senhorita Diara, lembra de mim? Eu lhe atendi
ontem.
Diara olha para José e nada responde.
Marie – Estamos aqui para te ajudar, Diara.
José – Sim. Para ajudar você e ao seu bebê.
Diara começa a chorar novamente, mas sem falar uma palavra se quer.
Marie – José, vamos deixá-la. Ela ainda
está muito traumatizada. Olhe, Diara, eu trouxe algumas frutas e pão. Não temos
muito por aqui, mas dada a sua condição você passa a ser nossa prioridade.
Promete que vai nos chamar assim que puder?
Diara apenas balança a cabeça.
José e Marie saem da tenda enquanto José olha para trás pra ver mais uma
vez a moça.
José – O que faremos com ela? Ela não tem se quer casa
para voltar.
Marie – Por mim aquela tenda pode ser a
casa temporária dela. Depois vamos tentar contatar alguns parentes para poderem
dar um lar pra ela.
Ao longo dos dias seguintes as tentativas de José e Marie em conversar
com Diara eram todas mal sucedidas, bem como a tentativa de contatar parentes
dela.
Faltando duas semanas para ir embora de Angola, José tenta pela última
vez conversar com Diara e descobrir algo da sua família.
Cena 14. Hospital de campanha. Manhã.
José entra na tenda de Diara.
José – Posso entrar?
Diara sinaliza com a cabeça positivamente.
José – Diara, tentamos entrar em contato com algum
familiar seu e não obtivemos sucesso. Olha, eu e a Marie estamos voltando pra
França em breve e queríamos poder te deixar em boas condições, mesmo em meio a
essa guerra. Você poderia nos dizer algo que nos leve a algum parente seu?
Diara permanece muda.
José – Tudo bem. Eu e a Marie vamos deixar os demais
médicos a par da sua situação. Eu espero que você consiga ter um futuro bom com
seu filho.
José estava para sair da tenda quando Diara finalmente resolve falar.
Diara – Espera.
José – Diara? Você finalmente falou!
Diara – Eu não tenho mais familiar em
Angola.
José – Como assim?
Diara – Toda a família do meu pai com
exceção de alguns sobrinhos, que se mudaram para Namíbia e nunca mais soubemos
deles, morreram de causas naturais, exceto meu pai que morreu há dois anos por
se envolver na guerra de independência.
José – Meus pêsames.
Diara – Da família da minha mãe é a mesma
coisa. Na verdade meu avô ainda está vivo, mas longe daqui. A minha vó foi
violentada ainda enquanto moça e desse abuso nasceu a minha mãe.
José – Que horror! Que nojo!
Diara – O homem que fez isso era um
português dono de umas plantações de café. Muito por causa disso que minha
família sempre odiou europeu.
José – Olha, eu entendo, mas nem todos somos iguais e...
Diara (interrompendo) – É fácil dizer
que não são iguais quando não são vocês que estão aqui sempre recebendo o que
de pior vem da Europa, seja português, francês, inglês ou holandês.
José – Eu sei como as marcas de colonização são
horríveis.
Diara – Como pode saber? Você é europeu.
Deve ser português também, pois fala bem.
José – Eu sou franco-brasileiro. Minha mãe é francesa,
mas meu pai era brasileiro.
Diara – Brasileiro?
José – Sim.
Diara – Azekel sonhava em se mudar para o
Brasil algum dia.
Diara começa a chorar. José abraça Diara.
José – Calma, Diara. Pensa no seu filho agora.
Diara – Eu não sei o que fazer, doutor. Até
a plantação de algodão em que eu trabalhava parou por causa da guerra.
José fica pensante por um momento e então questiona Diara.
José – Você aceitaria se mudar para o Brasil?
Diara – Mudar? Mas como? Nem passaporte eu
tenho. Tudo o que tenho está nesta pasta.
Diara mostra a pasta.
José – A gente vai dar um jeito. No Brasil você vai ter
mais oportunidades. Você fala o mesmo idioma, o que já ajuda muito. Eu vou
fazer de tudo para encaixar você no mesmo voo de volta que a minha equipe vai
tomar daqui alguns dias. Você fica algumas semanas na França e depois a gente
vai para o Brasil.
Diara – A gente?
José – Sim. Vou te apresentar às minhas amigas que
trabalham no hospital da minha cidade lá e com certeza algum emprego você vai
conseguir e ser assistida na gravidez. Você topa?
Diara – Sim. Eu acho que é um recomeço.
José se despede de Diara, sai da tenda e conta tudo para Marie.
Cena 15. Hospital de campanha. Tarde.
Marie – Que bom que ela resolveu falar e
aceitou a sua ajuda, mas, e você?
José – Eu o que?
Marie – Você está prometendo muito a uma
moça fragilizada e vulnerável. Eu quero saber se você está disposto a arcar com
tudo. Em especial lidar com a sua mãe, com as autoridades francesas, etc.
José – Os documentos dela estão certinhos e vou emitir
um passaporte de emergência. Com a minha mãe eu me entendo depois.
Marie – Dona Justine não vai gostar dessa
história. Mas é por sua conta em risco, apenas não brinque com a vida dos
outros.
José fica pensativo, mas não pensa em mudar de ideia.
Cena 16. Hospital de campanha. Tarde.
Passados alguns dias José entrega um passaporte para Diara.
José – Aqui estão seus documentos novamente e seu
passaporte. Agora você vai viajar com facilidade com a gente. Pedi para o
organizador do voo de volta te incluir como equipe de apoio na limpeza e
comida, assim tenho uma justificativa pra te colocar lá.
Diara – Muito obrigada mesmo. E quando esse
voo acontece?
José – Depois de amanhã.
Diara – Já?
José – Sim. Na verdade, era pra ser amanhã, mas ele vai
sair com atraso da França.
Diara – Eu queria ir a um lugar antes de
partir.
José – Tudo bem. posso te acompanhar se você quiser.
Diara – Eu prefiro ir sozinha. Não me
interprete mal, apenas quero um momento a sós.
José – Tudo bem, mas tome muito cuidado, a guerra não
acabou e está longe de isso acontecer.
Cena 17. Cemitério. Fim a tarde.
MÚSICA
AO FUNDO – “Thinking of you”
(Katy Perry) – até o fim da cena.
Diara adentre um cemitério improvisado, onde muitos jazidos se quer
haviam lápides com nome dos que foram ali enterrados.
Diara se orienta dentro daquele espaço e acha as lápides de seus pais e
de Azekel.
Diara – Eu prometo que nunca vou esquecer
de vocês. Nunca esquecerei quem eu sou. Meu filho que nascerá em breve e os que
eu ainda vou ter sempre saberão o quão fortes e guerreiros foram os avós deles.
Azekel, meu amor, eu nunca vou esquecer de ti. Você foi o amor de minha vida e
no meu ventre carrego o resultado do nosso amor. Descansem em paz. Eu amo vocês.
Diara joga uma rosa para cada um de seus entes queridos. Algumas lágrimas
dropam de sua face e recaem sobre a terra. Diara se retira.
Cena 18. Aeroporto de Luanda. Fim da manhã.
Diara, Marie e José embarcam.
O avião decola.
Enquanto Diara olha pela janela a sua terra por uma última vez, Marie
questiona José.
Marie – Você já falou para a sua mãe?
José – Não consegui. Ela mal sabe que eu estou chegando.
Marie – Arriscado, José. Eu tenho certeza
que ela vai desaprovar. Não sei nem se vai deixar a Diara ficar algum tempo até
ela conseguir visto pra ficar lá durante a guerra aqui.
José – Depois eu vejo isso.
Marie encara José com cara de desaprovação enquanto ele desvia o olhar.
Cena 19. França. Casa de Justine. Noite.
Justine está em sua sala de estar quando José bate a sua porta sem ela
saber que o filho havia voltado.
Justine abre a porta.
Justine – José? Meu filho! Que bom te ver.
Que surpresa ótima!
José – Oi, mãe. Eu não consegui te avisar antes porque
nossa comunicação foi destruída na área de guerra.
Por detrás de José aparece Diara.
Justine – Quem é essa moça?
José – Essa é a Diara. Ela é...
Justine – Negra! Muito provavelmente de
Angola. O que ela está fazendo aqui.
Como mãe e filho estavam falando em francês, Diara nada entendia da
situação.
José – Ela vai ficar com a gente por um tempo e...
Justine – Não me diga que você foi trabalhar
na guerra arriscando a sua vida contra a minha vontade e ainda me volta com uma
dissidente de presente.
Diara percebe o tom alterado de Justine.
Diara – O que está acontecendo, José?
José – Nada, Diara. Minha mãe está nervosa porque eu
demorei a dar notícias e...
Justine – Não minta para essa moça, José. Esqueceu que eu morei 10 anos
no Brasil e sei falar o idioma do seu pai? O que eu disse a ele, moça, é que
não esperava que ele trouxesse uma fugitiva da guerra pra minha casa.
Diara – José, você me disse que sua mãe
sabia.
José – Eu não consegui falar com ela antes de pegar o
voo e não queria te deixar lá e...
Diara – Eu vou embora.
José – Pra onde?
Diara – Não sei, mas eu sei que aqui não
sou bem-vinda.
Justine – Ela está certa e a culpa é sua,
José.
José – Ela não pode ir embora.
Justine – Por que não?
José – Ela perdeu toda a família na guerra.
Justine – Ela pode pedir ajuda para o governo
francês, pelo menos até acabar a guerra na Angola.
José – E também porque ela está grávida!
Justine fica paralisada. Ela olha para a moça e torna a olhar para o
filho.
Justine – É verdade isso, senhorita? Aliás,
qual o seu nome?
Diara – Diara. E sim, é verdade, mas...
José – A senhora teria coragem de largar na rua uma moça
grávida ainda mais sabendo que é seu neto que ela carrega no ventre.
Diara – O que?
José olha com uma cara de quem queria dar um sinal para Diara.
Justine – Você foi pra guerra e se deitou com
uma moça fragilizada pela violência? Esse não é o meu filho. Você mudou muito,
José! Tem se tornado cada vez mais o que eu pai era.
José – Mãe, se não ficarmos aqui eu vou ter que arranjar
um lugar para nós três.
Justine olha novamente para Diara.
Justine – Eu jamais abandonaria uma mulher
grávida. Menos ainda se tratando do meu neto. Entrem, eu vou arrumar o quarto
de visitas para ela. Na minha casa vocês vão dormir em quartos separados.
José e Diara entram.
Cena 20. Casa de Justine. Noite.
No quarto de visitas José é interpelado por Diara.
Diara – Por que você fez aquilo? O que você
está querendo comigo? Se aproveitar de mim?
José – Não, Diara. Eu falei aquilo porque sabia que a
minha mãe não ia se opor a ajudar alguém sabendo que é sangue do sangue dela.
Diara – Mas não é! Não entendo o porquê de
você me ajudar.
José – Talvez porque você perdeu tudo na sua vida e eu
acho que posso te ajudar a recomeçar. Pelo menos agora. Depois você vai
conseguir um emprego.
Diara – E como você vai falar pra sua mãe
que essa criança não é seu filho?
José – Depois eu vejo.
Diara – Isso não vai acabar bem. você não
precisava ter feito isso. Você não tem nenhuma obrigação comigo.
José – Diara, na verdade tem um motivo sim pelo qual eu
quis te ajudar.
Diara – E qual é?
José – Meu pai era médico e trabalhou na Segunda Guerra
Mundial por que serviu ao exército francês.
Diara – Teu pai não era brasileiro? Você
mentiu isso também?
José – Meu pai nasceu no Brasil, mas os meus avós são
franceses que foram para o Brasil pouco antes de começar a Primeira Guerra
Mundial em 1914, já prevendo que algo podia acontecer por aqui. Meu pai nasceu
em 1915 e estudou Medicina em São Paulo. Durante uma viagem à França ele
conheceu parte da família dele que sobreviveu à primeira guerra e conheceu a
minha mãe e os dois foram morar juntos no Brasil por 10 anos entre 1935 e 1945.
Nesse meio tempo começou a segunda guerra e ele tinha se alistado pra trabalhar
como voluntário por uma questão patriótica.
Diara – Sua mãe não deve ter reagido bem.
José – Minha mãe e ele brigaram. Ele foi pra Guerra
brigado com ela. Eu tinha apenas 3 anos quando ele foi.
Diara – Mas depois eles fizeram as pazes,
não fizeram?
José – Não deu tempo. No auge da segunda guerra em 1942 o
acampamento do meu pai foi bombardeado na Normandia e ele morreu. Minha mãe
ficou arrasada. Tanto que quando decidi ir pra Angola brigamos muito. Quando vi
que você tinha perdido a todos de sua família eu lembrei da perda do meu pai.
Guerra nunca é bom pra ninguém, ainda mais para nós que perdemos alguém devido
a ela. Eu só queria poder ajudar alguém a ficar melhor depois de passar pelo
que você passou.
Diara – Eu não quero ser ajudada. Vai
parecer que você tá me salvando porque eu sou uma inútil que não sei me virar.
José – Diara eu tenho um privilégio de ter condições
financeiras para te ajudar e poder te dar uma estadia em um local menos
violento.
Diara – Eu só fico pelo meu filho. Você não
precisa fazer mais do que já fez, José.
José – Tudo bem, apenas seja racional. Ter orgulho é
bom, mas tem situações em que precisamos aceitar ajuda. Eu vou pro meu quarto.
Se precisar de algo, me chame.
Diara – Obrigada por tudo.
José abraça Diara e a deixa sozinha no quarto.
Nos dias que se sucederam José retornava ao trabalho enquanto Diara
tentava aprender francês por conta própria em seu quarto.
Inicialmente Justine evitava falar com a moça e até se ausentava de
certos espaços quando raramente ela saía do quarto. Aos poucos ela foi se
abrindo.
Passam-se 4 meses.
Cena 21. Casa de Justine. Tarde.
Diara está em seu quarto estudando francês um tanto desconfortável com a
sua barriga que já crescia. Justine bate a porta.
Justine – Posso entrar.
Diara – Pode.
Justine senta-se à beira da cama de Diara.
Justine - Eu fui à cidade hoje e comprei este
composto. Eu tomei algo similar quando estive grávida do José. Na guerra eles
tomam, especialmente porque tem muitas vitaminas e como eles ficam dias sem
comer direito ajuda a se manterem de pé.
Diara – Obrigada, mas por que isso?
Justine – Porque você está grávida.
Diara – Não precisa se preocupar. Não quero
dar mais trabalho que já dou.
Justine – Olha, Diara. Não te conheço direito
e não sei a natureza da sua relação com o meu filho, mas se você está
carregando um neto meu em seu ventre, não me interessa, eu quero ver você bem.
você é a mãe dessa criança. Outra coisa, você precisa melhorar mais o seu
francês.
Diara – Já faço o que posso. Me enfio
nesses livros.
Justine – Você precisa de alguém para te
ensinar.
Diara – Impossível. Não tenho dinheiro para
pagar um professor e o José que poderia me ajudar está mais da metade do dia
trabalhando na cidade.
Justine – Eu vou te ensinar.
Diara – A senhora?
Justine – Sim. Eu ensinei francês pro José
quando ele era criança e farei o mesmo com você. Seu filho vai crescer na
França e isso vai facilitar a comunicação de vocês. Venha até o escritório que
era de meu marido e lá eu vou te mostrar alguns livros.
Diara agradece e vai com Justine até o escritório.
Cena 22. Casa de Justine. Noite.
José chega do trabalho, nota que sua mãe e Diara estão no escritório e
sorri ao ver que a mãe está aos poucos aceitando Diara na vida deles.
Há uma passagem de tempo de 4 meses.
Cena 23. Hospital. Manhã.
Diara dá entrada no hospital e José fará o parto.
Justine – Por favor, meu filho, cuide dela.
Ela tá com muito mais dor que o comum.
José – Pode deixar, mãe, mas agora eu preciso ir. Torça
por nós.
José adentra a sala de parto.
Cena 24. Hospital. Manhã.
Diara segue as recomendações de José e das enfermeiras e faz o máximo de
esforço e sua filha nasce em mais de três horas de parto.
MÚSICA
AO FUNDO – “Pesadão” (Iza) –
até a primeira fala da cena 21.
José – É uma menina, Diara. Uma linda menina.
José entrega a menina nos braços de Diara que olha para sua filha e
automaticamente lembra de Azekel.
Diara – Minha filha. Minha família que
recomeça. Você é lidna. Você é uma jóia.
José abraça Diara.
Cena 25. Hospital. Tarde.
Após alguns minutos, Justine entra para ver aquela que ela achava que era
sua neta.
Justine – Ela é linda. Uma preciosidade.
José se surpreende, pois acreditava que sua mãe era um tanto quanto
racista.
Justine – Posso pegá-la?
Diara – Claro.
Justine pega a bebê no colo e olha para seu rosto.
Justine – Ela tem traços do seu pai, José.
José fica extremamente desconfortável. Diara nada entende.
Justine – Olha, eu preciso ir para casa
ajeitar alguns detalhes para a chegada da bebê. Parabéns, Diara e José, o filho
de vocês é lindo.
Justine sai.
Diara – O que foi isso, José? Está história
foi longe demais. Sua mãe está vendo coisa onde não tem. Precisamos contar a
verdade para ela.
José – Diara, eu não sei como vou fazer isso.
Diara – Em algum momento precisaremos
fazer. Por enquanto a desculpa de ficarmos separados mesmo ela achando que
temos uma filha juntos é por respeito à casa dela e à questão da minha
gravidez, mas em breve isso não vai mais ocorrer. Você não vai mais poder me ajudar.
José – Diara. Eu... eu...
Diara – Fala, José!
José – Eu me apaixonei por você.
Diara fica sem reação.
Diara – Como assim?
José – Olha, no começo eu fiz apenas para te ajudar e te
encaminhar aqui na França, longe da violência que destruiu à sua família. Porém
com o passar do tempo, vendo você se esforçando para aprender uma nova língua,
lidando tão bem com a minha mãe e vendo a pessoa que você é eu comecei a gostar
de você. Eu não sei te dizer em que momento isso aconteceu, mas aconteceu. Eu
queria saber se você não queria ser a minha namorada e quem sabe no futuro a
minha esposa.
Diara – Olha, José, eu fiquei bem surpresa.
Eu não sei o que dizer. Posso pensar nisso em alguns dias? Eu acabei de ter uma
filha e estou fisicamente e emocionalmente instável.
José – Claro. Eu vou te deixar descansando. Desculpa se
te causei algo ruim.
Diara – Claro que não. Obrigado por tudo.
Você é o melhor obstetra de Bourdeaux.
José sorri e sai da sala.
Diara olha para a filha com cara de questionamento, como se estivesse
refletindo sobre o que acabara de ouvir.
Cena 26. Casa de Justine. Manhã.
Passam-se alguns dias e Justine está tomando café da manhã com José,
Diara e a bebê.
Justine – Preciso falar duas coisas com
vocês.
José – O que seria, mãe?
Justine – Primeiro eu quero saber quando
vocês vão registrar essa menina. Já faz quase uma semana que ela nasceu e vocês
se quer me falaram do nome dela.
Diara – A gente já definiu, dona Justine.
Justine – E qual vai ser?
Diara – Charlotte.
Justine fica paralisada e lacrimeja.
MÚSICA
AO FUNDO – “When you’re
gone” (The Cranberries) – até o fim da cena.
Justine – É sério isso, filho?
José- Sim, mãe.
Diara – Eu fiquei comovida com a história
de sua tia que morreu lutando contra os nazistas na invasão de Paris e achei
justa a homenagem. Como segundo nome daremos Núbia, o nome de minha mãe.
Justine – Eu estou sem palavras. Vocês
realmente me surpreenderam. Positivamente, é claro.
José – Qual é a segunda coisa?
Justine – Acho que a essa altura não faz mais
sentido vocês ficarem em quartos separados. Sei que fui muito rígida com vocês,
mas espero que a Diara me entenda que eu demorei a processar toda a informação.
Então, agora vocês podem todos ficarem no quarto do José o mais breve possível.
Sei que vocês devem estar ansiosos para terem uma vida normal de casal.
Desculpa por tudo, até beijar vocês nunca beijaram na minha frente.
José e Diara se olham surpresos.
Justine – Bem, eu vou sair. Cuidem bem dessa
princesa.
Justine se despede com um beijo em cada um e sai.
José – E agora?
Diara – Agora não temos mais desculpas. Na
verdade não precisaríamos ter.
José – O que você quer dizer com isso?
Diara – Eu pensei na sua proposta e resolvi
dar uma chance a nós dois. Entenda, José, eu ainda tenho um sentimento muito
forte pelo Azekel, mas ele não está mais nesse mundo e ao mesmo tempo você tem
me dado um apoio e carinho que dificilmente encontraria em outra pessoa. Eu
espero que possamos nos entender.
José – Eu prometo que farei de tudo para podermos
construir um amor.
José faz um movimento dando a entender que poderia beijar Diara que
esquiva e fala.
Diara – Ainda não, José. Eu ainda estou sem
jeito. Me dê um pouco de tempo.
José – Tudo bem, todo o tempo que precisares.
Cena 27. Casa de Justine. Noite.
Finalmente José e Diara estavam deitados na mesma cama e ao lado um berço
com a filha de Diara.
Ambos olham para o teto dando a entender o desconforto da situação.
Diara vira para o lado.
Diara – Boa noite, José.
José – Boa noite, Diara. Durma bem.
Diara – Você também.
Diara fecha os olhos e José continua acordado. Poucos segundos depois ele
fala.
José – Posso te abraçar enquanto tentamos dormir.
Diara fica um pouco apreensiva.
Diara – Pode.
José vagarosamente se vira e abraça Diara.
Diara acha estranho, mas se sente confortável com o
abraço de José.
Cena 28. Loja de roupas. Manhã.
No dia seguinte Justine, Diara e Charlotte vão às compras.
Diara – Justine eu já disse que não precisa
agastar dinheiro comigo. Assim que eu começar a trabalhar eu vou comprar roupas
novas.
Justine – Mas é justamente por isso que eu te
trouxe aqui. Você precisa estar apresentável numa entrevista de emprego. Vou
chamar a minha amiga Desirée. Ela é dona da loja e vai saber indicar algo para
nós.
Justine faz um sinal chamando Desirée.
Desirée – Justine, minha amiga. Que bom lhe
ver.
Justine – O prazer é todo meu. Olha, já
conhece a minha nora, Diara, e a minha neta, Charlotte?
Desirée olha um pouco surpresa por se tratar de uma moça não-francesa.
Desirée – Não a conhecia. Que bela moça. Não
é francesa, é?
Diara – Sou de Angola (responde Diara com
um francês primário)
Desirée – E no que posso ajudar?
Justine – Em breve Diara vai começar a
procurar emprego, assim que a bebê desmamar, mas já quero que ela tenha roupas
apropriadas para poder se candidatar a uma vaga de secretária ou alguma coisa
em escritório. Não quero a mãe da minha neta trabalhando em comércio.
Diara – Todo trabalho é digno, dona
Justine.
Justine – Eu sei, minha nora, mas você pode
ter algo melhor do que os demais e eu quero isso para você.
Desirée – Me acompanhem, vou mostrar algumas
peças recém chegadas do Oriente Médio e da Inglaterra.
Cena 29. Loja de roupas. Manhã.
Depois
de minutos provando roupas Desirée não chega a nenhuma boa combinação.
Desirée – Essa era a última sugestão que eu tinha.
Infelizmente acho que não vou poder ajudar vocês.
Diara
olha para algumas peças em outra sessão e pergunta.
Diara – E aquelas peças ali?
Desirée – Aquelas são de outras coleções, não sei se
vai servir para você. Quer olhar?
Diara – Claro, por favor.
Diara
analisa as roupas e começa a fazer algumas combinações.
Diara – Que tal esse vestido com esse cinto aqui.
Você tem um pedaço de tecido igual a esse (apontando para um outro vestido).
Desirée - Tenho sim. Aqui está.
Diara
monta uma combinação a partir de coleções diferentes.
MÚSICA
AO FUNDO – “Pesadão” (Iza) –
até o fim da cena.
Justine – Diara, como você fez isso/ Ficou muito
bom. Combinou com seu porte, tom de pele, tudo.
Desirée – Tenho que admitir, nunca pensei que essas
combinações poderiam cair tão bem. você já fez algum curso de moda?
Diara – Nunca. Da onde eu vim muitas vezes a gente
aproveitava roupas de diferentes lugares e diferentes tamanhos. Adaptar para
usarmos era o que frequentemente fazíamos, especialmente quando a guerra
começou.
Desirée – Ficou muito bom mesmo. Especialmente
porque ainda não temos tamanhos variados e algo que se adeque a diferentes
estaturas.
Justine – Você poderia trabalhar com isso, Diara. Ou
ao menos investir, fazer um curso.
Desirée – Eu conheço um líceo aqui em
Bordeaux que tem alguns cursos que podem ajudá-la. Mas eu preciso ser sincera,
você tem que melhorar mais o seu francês, Diara.
Justine – Eu me responsabilizo por isso. Diara tem
feito progressos muito rápidos em menos de um ano. Estou certa de que ela vai
aproveitar o curso da melhor maneira possível.
Diara – Prometo que vou dar o meu melhor.
Diara
fica super feliz em ver que há uma nova oportunidade para conseguir um emprego
e divide a notícia com José quando este chega do trabalho.
Cena 30. Casa de Justine. Noite.
No
jantar, Justine contava para José as últimas notícias sobre Diara.
Justine – ... e foi isso, filho. A Diara vai agora
tentar fazer um curso para melhorar esse talento dela.
Diara – Exatamente. Mal posso esperar.
José
(um tanto quanto desanimado)
– Fico bem feliz. Parabéns, Diara.
Justine – Está tudo bem filho? Até parece que não
gostou da notícia.
José – Eu gostei. Gostei mesmo. Eu estou assim
porque hoje uma paciente que eu acompanhava morreu num parto prematuro. Não
conseguimos salvar nem ela e nem o bebê.
Diara – Nossa, José. Meus sentimentos.
Justine – Meu Deus, filho. Que horrível.
José – E também a gente vai ter que adiar nossa
mudança para o Brasil. Não vai acontecer ao menos em 1964. A situação por lá
piorou e não acho sensato a gente sair daqui agora.
Diara – É, eu li algo sobre, mas não sei
exatamente como a situação está.
Justine – Eu não sei o que acontece com aquele país.
quando morei lá com o seu pai passamos pela ditadura Vargas e agora eles de
novo tem um regime assim? Parece que a história por lá nunca muda.
José – Eu não estou me sentindo bem. vou me
deitar. Com licença.
José
se retira.
Diara – Eu vou lavar a louça e trocar a fralda da
Charlotte.
Justine – Não, deixa que eu faço tudo isso. Fica com
o José. Ele precisa de você.
Diara – Mesmo?
Justine – Sim, eu posso fazer isso sozinha. Vá.
Fique com o seu marido.
Diara
vai para o quarto e deixa a filha com Justine.
Cena 31. Casa de Justine. Quarto de José e
Diara. Noite.
José
está deitado e Diara se aproxima. Diara nada diz, apenas deita-se e abraça José
por trás.
Depois
de 5 minutos, José rompe o silêncio.
José – Estou a quase 5 anos nessa profissão, mas
ainda não me acostumei. Eu preciso ser mais frio.
Diara – Talvez você não seja sem coração como
outras pessoas. Isso não significa que você não é um bom profissional.
José – Você acha?
Diara – Eu vi você trabalhar no meio de uma guerra
sem ganhar nada para ajudar pessoas a terem o mínimo de dignidade. Eu tenho
certeza disso.
José
dá um leve sorriso, agradecendo à fala de Diara. Diara o olha profundamente e
os dois aos poucos vão aproximando seus rostos.
MÚSICA
AO FUNDO – “Explode Coração”
(Gonzaguinha e Ana Carolina) – até o fim da cena.
José
e Diara se beijam.
José – Você é a mulher mais bonita que eu já vi
em toda a minha vida.
Eles
tornam a se beijar e aos poucos ambos começam a explorar seus respectivos
corpos como se fosse a primeira vez de ambos. Diara sentia o calor do amor pela
primeira vez desde que Azekel se fora. Os dois têm a primeira noite de amor.
Cena 32. Casa de Justine. Mesa de jantar. Manhã.
José
está saindo para o trabalho e se despede de Diara com um beijo.
Justine – Espera, essa é a primeira vez que eu vejo
vocês se despedindo com um beijo. Até que enfim vocês estão abandonando a
timidez.
Diara – Queríamos respeitar a sua casa antes.
Justine – Entendo. Eu mesma pressionei vocês a isso,
por isso não os julgo. Mas agora está tudo resolvido. Estou extremamente feliz
por vocês estarem aqui. Já está pronta? Vamos lá no ateliê?
Diara – Vamos, já até deixei a Charlotte trocada
para sair com a gente.
Justine – Charlotte tem claramente traços do pai de
José. Está cada dia mais linda.
Diara
fica um pouco constrangida, mas aos poucos vai aprendendo a ignorar essas
situações.
PASSAGEM DE TEMPO.
MÚSICA
AO FUNDO – “Limite” (Kelson
Most Wanted e Carla Prata) – até o fim da cena.
Passam-se
cenas de Diara no curso de francês e no curso básico de moda.
José
abrindo um novo consultório ao lado de Diara, grávida do segundo filho.
Charlotte
crescendo e começando a seguir os passos de José na Medicina.
Avançamos
para 1984 e Justine está muito doente.
Cena 33. Hospital em Bordeaux. Tarde.
José
e Diara estão no quarto com Justine.
Justine – Que bom que vocês vieram me visitar antes
de partirem para o Brasil. Vocês são a minha única família hoje.
José – Mãe, eu ainda quero ficar com a senhora
por mais um tempo. Diara pode ir sozinha ao Brasil com as crianças.
Diara – Sim, dona Justine. Se eu tiver que abrir
mão da minha proposta de trabalho eu faço sem nenhum problema. A senhora é a
nossa prioridade.
Justine – Nada disso. Se vocês fizerem isso eu vou
me sentir mal. Vão. Além de tudo a Charlotte vai continuar aqui na cidade
estudando e posso contar com a minha neta para tudo.
José – Eu vou voltar assim que possível.
Diara – Fique bem, dona Justine.
Justine – Eu amo vocês. Desculpe pelo começo da
nossa relação, Diara. Eu reconheço que fui ríspida e injusta com você.
Diara – Isso não chega perto da pessoa maravilhosa
que você foi comigo desde quando eu ainda estava grávida da Charlotte.
José
e Diara beijam a testa e o rosto de Justine e deixam o quarto.
Cena 34. Hospital em Bordeaux. Tarde.
Diara
e José se encontram com os filhos, Charlotte, Chloe e Othelo.
Chloe – Como foi com a vovó?
Diara
– Foi bem, minha filha. Ela é forte. Sempre foi.
Othelo – Eu não queria ir para o Brasil agora. Eu
queria ficar aqui com ela.
José – Othelo, não é hora de voltar nesse
assunto. Já está decidido. Se você conseguir arranjar um emprego e ficar por
aqui podemos pensar nisso, mas por enquanto você e a Chloe vem com a gente.
Charlotte – Pai, prometo cuidar da vó o máximo que eu
puder. Mesmo estando atarefada na faculdade de medicina eu acho que consigo dar
conta de tudo.
José – Você sempre deu a atenção que sua vó
precisava. Estou indo para o Brasil com o coração aliviado de ter você perto
dela neste momento.
Diara – Cuide bem de sua vó. Precisamos ir, temos
muita coisa a resolver.
Cena 35. Casa de José e Diara. Manhã.
Alguns
dias depois, chega a hora de embarcar para o Brasil.
José – Está tudo aí? Passagens? Passaporte?
Diara – Tudo aqui.
José – certo, vamos então. Chloe e Othelo já
estão no aeroporto.
Diara – José, você acha que devemos contar à
Charlotte?
José – Diara, eu... eu não sei. É parte da
história dela, mas. Eu sou o pai dela, sabe?
Diara – Sim, meu amor. Isso nunca vai mudar. Mas,
me sinto mal em esconder que o pai biológico dela é outro.
José – Espera a minha mãe partir. Eu tenho
ciência de que isso não vai demorar a acontecer e elas são muito apegadas uma a
outra.
Diara – Está certo. Vamos ver isso mais adiante.
Cena 36. Hospital em Bordeaux. Noite.
Meses
depois, Justine está em estado crítico e pede para ter uma última conversa com
sua neta.
MÚSICA
DE FUNDO – “Chanson triste”
(Carla Bruni) até o fim desta cena.
Charlotte – Com licença, vó. Mandou me chamar?
Justine – Minha neta, que bom que você veio. Eu
queria me despedir de você.
Charlotte
começa a chorar discretamente.
Charlotte – Não diga isso, vó.
Justine – Eu estou muito fraca e sei que não
demorarei muito à partir. Eu só queria falar com você antes disso acontecer.
Charlotte – Eu estou aqui.
Justine – Eu fui muito injusta com a sua mãe no
começo da relação dela com seu pai, mas fico feliz de termos nos entendido
rapidamente. Apesar de todo o sofrimento dela em Angola ela se superou e se
tornou um dos nomes da moda na França. Eu me orgulho de ser sogra dela e me
orgulho dos netos que ela me deu.
Charlotte – Minha mãe não tem nenhuma mágoa, vó. Fique
tranquila. Ela vê em você uma segunda mãe.
Justine – Amo você e seus irmãos, mas é inegável que
eu e você sempre tivemos uma conexão mais forte. Vejo muito de mim e do meu
marido, seu avô, quando éramos jovens. Cuide bem de seus pais e irmãos. Eu vou
olhar vocês de onde eu estiver.
Charlotte
e Justine se abraçam. Charlotte deixa o quarto. Justine morre no meio da
madrugada enquanto dormia.
Cena 37. Hospital Ângela Veríssimo. Quarto. Tarde.
INSERT – Voltando à 2020...
José – Tivemos uma vida difícil, mas ao mesmo
tempo tão feliz.
Diara – Ainda temos, Zé. Não fale como se você não
estivesse mais aqui, isso me aperta o coração.
José
e Diara se abraçam e se beijam.
José – Você deveria contar à Charlotte sobre o
pai biológico dela. No começo não contamos porque ela era muito criança e
poderia acabar espalhando para a minha família. Depois quando ela estava maior
a gente quis poupar a minha mãe que estava doente e a amava mais do que os
demais netos de sangue dela. Fomos adiando demais, meu amor.
Diara – Pra que Zé? Mais de 50 anos já esta
história. Eu não quero que ela ache que é menos sua filha por causa disso.
José – É a história dela, meu amor. Ela sempre
vai ser minha filha tanto quanto o Othelo e a Chloe. Mas, qualquer que seja sua
decisão eu vou respeitar.
Diara – Como você sempre me respeitou, meu amor.
Cena 38. Hospital Ângela Veríssimo. Quarto. Tarde.
Charlotte,
Othelo, Chloe e Helena adentram o quarto de José.
José – Meus filhos. Que bom ver vocês.
Charlotte – Meu pai, como o senhor está bonito. Sempre
esteve.
José – Bondade a sua.
Othelo – Eu acredito que o seu José está arrasando
o coração das enfermeiras nesse hospital.
Helena – Pai, presta atenção, olha a vovó aqui. Ai
que vergonha.
José – Othelo sempre brincando. Nunca muda,
filho. E você, Chloe. Como você está linda. Fazia anos que não via você e sua
irmã. Como estão os desfiles? A grife para qual você trabalha tem sido bastante
elogiada.
Chloe – O senhor tem visto? Tem sido o melhor
período da minha vida.
Diara – Deveria ensinar dicas de como se vestir
para seus irmãos, porque eles não sabem combinar um par de sapatos como uma
calça. Olha, casa de ferreiro, espeto de pau.
Todos
dão risada.
Othelo – Mas, mãe, pra que um engenheiro
ambientalista vai querer combinar roupas?
Charlotte – É verdade, mãe. No meu trabalho eu preciso
de jaleco, máscara e gorro cirúrgico.
Diara – Vocês se vestem mal em qualquer ambiente.
E eu fiz modelos de uniformes para vocês e vocês não usam.
Todos
dão risada novamente. José tosse muito, mostrando dificuldade para respirar.
José
faz sinal pedindo para Charlotte se aproximar. José pega na mão de sua
primogênita.
José
(com a voz enfraquecida) –
Você seguiu os meus passos e os passos de seu avô na Medicina. É bom ver alguém
como você na nossa profissão. Alguém que olha o ser humano não como um objeto
de trabalho, mas um ser com sentimentos, família e tudo mais. Eu tenho orgulho
de você. De vocês três, meus filhos. Eu quero que vocês saibam que eu estou
partindo, mas estou indo feliz e com a consciência limpa e leve por ter
colocado pessoas excelentes nesse mundo. Espero que vocês continuem a serem
felizes em suas vidas.
Charlotte – Pai, por favor, não diga isso.
Othelo – O senhor ainda vai viver muito, meu pai.
Chloe – Sim, eu tenho certeza disso.
José
(com a voz gradativamente ficando embargada) – Eu sei que a minha hora chegou, meus queridos. Mesmo que a
família toda não esteja aqui e que ainda estejam faltando netos e bisnetos, eu
estou feliz.
Diara
começa a chorar.
MÚSICA
DE FUNDO – “Your Song”
(Elton Jhon) até o final da cena 39.
Diara – Eu te amo, José. Eu te amo do fundo do meu
coração.
José
(falando cada vez mais baixo)
– Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Foi um privilégio
dividir quase 57 anos ao lado da mulher mais forte e doce desse mundo. Minha
companheira, minha esposa, minha alma gêmea. Minha joia do Atlântico Leste. Eu
vou esperar por você.
José
e Diara se beijam num último suspiro de José.
Todos
ao seu redor o abraçam e consolam Diara.
Diara
chora muito e os filhos tentam acalmar a mãe e retirá-la do quarto de José.
Cena 39. Cemitério Parque Iguaçu. Manhã.
Em
uma manhã ensolarada com um vento levemente agradável José era enterrado com a
presença de quase toda sua família.
Diara
joga uma rosa ao marido e promete que vai cuidar da família que os dois
construíram.
Cena 40. Casa de Diara e José. Sala de estar.
Tarde.
Antes
de voltarem para a França, Chloe e Charlotte resolvem ficar um tempo com a mãe.
Charlotte – A senhora vai se mudar mesmo?
Diara – Essa casa já era grande para mim e para o
seu pai. Um apartamento próximo da casa do seu irmão vai me fazer bem. um
espaço mais aconchegante.
Chloe – Mas essa casa tem tantas memórias. Vai
vende-la mesmo assim?
Diara – Minha filha, quando se passa pela guerra e
tem que se mudar inúmeras vezes como eu fiz, aprendemos que as memórias devem
ser levadas no nosso coração e é o que faço.
Chloe – A senhora está certa. Lugares mudam, mas
nossas emoções nos acompanham. Eu vou ao mercado comprar algumas coisas para
tomarmos um café. Volto já.
Chloe
sai. Diara pede para Charlotte conversar com ela.
Charlotte – Que foi, mãe? Algo importante?
Diara – Eu a queria falar sobre algo que seu pai
me pediu para falar antes de morrer. Algo sobre Angola...
Charlotte
(interrompendo a mãe) – Por
falar em Angola, eu estive lá, mãe. Esqueci de comentar com a senhora.
Diara
(surpresa e curiosa) –
Esteve?
Charlotte – Sim. Eu fui fazer um curso sobre infecções
predominantes em clima tropical. Aproveitei e visitei o vilarejo onde a senhora
vivia antes de se mudar com o papai para a França. Está outro lugar, bem
diferente do que a senhora me descreveu. Não está perfeito, mas tem uma certa
infraestrutura. Eles tem um mural de homenagem e lembrança aos mortos pelas
guerras, tanto de independência quanto a guerra civil que a sucedeu.
Diara – Você conseguiu reconhecer os seus avós lá?
Charlotte – Sim, olha, eu tirei fotos. Na do vovô não
tem foto, apenas o nome, mas da vó Núbia tem a foto.
Diara
olha a foto. Ao lado de Núbia tinha uma foto com o nome de Azekel.
MÚSICA
DE FUNDO – “Por enquanto”
(Cássia Eller)
Diara
chora de emoção ao ver tanto a mãe quando o primeiro amor.
Charlotte – Desculpa, mãe. Te fiz chorar.
Diara – Não precisa se desculpar. É emocionante,
mas gratificante em ver que você conheceu um pouco da onde você veio.
Charlotte – O que a senhora ia me falar?
Diara
olha fundo nos olhos de Charlotte.
Diara – Eu? É que o seu pai pediu para que vocês
fossem conhecer Angola e me levassem para visitar, coisa que não fizemos
juntos. Mas só de você ter ido já me sinto mais feliz.
Charlotte – Vamos sim, mãe. Falo com o meu marido,
pego os meus filhos e vamos um dia para lá sim.
Charlotte
e Diara se abraçam.
FIM
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