Novela de
Sandy
Escrita por
Sandy
Classificação:
Personagens deste capítulo:
ANA e antítese de Ana (Carolina Kasting)
CARLO (Danton Mello)
GISELE (Christine Fernandes)
LÍVIA (Lucy Ramos)
BEATRIZ (Nívea Maria)
CARLA (Débora Falabella)
LIZA (Vivianne Pasmanter)
NANDO (Chay Suede)
PAULO (Murilo Benício)
PEDRO (Dan stulbach)
LEILA (Giovanna Rispoli)
HELOISA (Ângela Vieira)
LÚCIO (Dalton Vigh)
LOLA (Maria Clara Gueiros)
HEITOR (Marcelo Médici)
HENRIQUE (Petrônio Gontijo)
MAXIMILIANO (Emílio Orciollo Netto)
VIRGÍLIO (Marcelo Melo jr.)
VIRGINIA (Lavínia Vlasak)
CAROLINA (Isabel Fillardis)
LEANDRO (Fernando Pavão)
BELLA (Barbara França)
EMÍLIO (Danilo Mesquita)
Título do capítulo de hoje: "Duas partes de mim".
CENA
01 METRÔ INT/NOITE
Ana sente-se um pouco aflita ao pensar na mãe, olha para os lados e vê uma mãe com uma filha ao lado: as duas conversam animadamente.
Vêm
à cabeça dela flashes dela e de Beatriz num vagão: ela, uma linda menina com
laços de fita no cabelo, sentada sozinha como uma mocinha, se vira olhando para
o banco de trás e encontra a mãe em risos suspeitos e sentada ao lado de
Alfredo... A CAM dá um close na boca de Beatriz, ouve-se sua risada sonora, e
passa para a do seu companheiro de viagem, ele com um bigodão negro e fortes
dentes brancos.
Chega
a sua parada, ela acorda do transe e se apressa para desembarcar, CORTA PARA:
CENA
02 CASA DE CARLA EXT/NOITE
O
táxi para ela retira dinheiro do sutiã e joga para ele. Sobe as escadas
lentamente, na sua cabeça a mensagem de texto ecoa:
PEDRO:
Acabou, saio de casa hoje. Levei o mais importante, depois volto pra buscar o
resto.
Tenta
abrir a porta na força, não consegue. Para alguns segundos em desespero, mas
logo lembra-se da chave reserva que está debaixo do tapete: arranca-o com força
e pega o objeto como se sua vida dependesse dele.
CARLA:
Mamãe assistiu muito enlatado gringo na vida, que patético esconder chave
debaixo de tapete!
Ela
entra, vai direto a cozinha beber um copo d’água e matar uma sede monstruosa.
CARLA:
Fiquei seca, totalmente seca!
Percebe
um bilhete na geladeira, o arranca com força.
CARLA:
(Imitando a voz de Leila) “Vou chegar tarde, não se preocupe mamãe” ... Podia
não voltar mais, preciso ficar sozinha!
Ela
sai da sala, e vai direto pro quarto, CORTA PARA:
CENA
03 CASA DE BEATRIZ INT/NOITE
A
porta se abre: Alfredo dá de cara com Ana, os dois se olham, ele com ternura,
ela com rancor. Ele se afasta para ela entrar.
ALFREDO:
A gente se vê com tão pouca frequência... Não consigo não me surpreender: como
aquela menininha das canelinhas finas, se tornou uma linda mulher!
ANA:
(Seca) Onde está a minha mãe? Vamos tornar tudo o menos desagradável
possível...
Alfredo
se entristece.
ALFREDO:
Ela está no quarto... A dona Heloisa chamou um médico... Eu não disse: não
precisa, é muito caro, vamos levar para um posto de saúde... Mas ela
insistiu...
Ana
zarpa com a expressão sombria para o quarto da mãe, CORTA PARA:
CENA
04 CASA DE CARLA INT/NOITE
Carla
anda pelo corredor escuro, entra no banheiro. Abre a torneira e deixa a água
escorrer e encher toda a pia: lava o rosto na água gelada, esfregando com
força, até toda a maquiagem borrada sair.
CARLA:
Estou limpa, agora estou limpa...
Se
esquece de desligar a torneira, e sai se arrastando, a barra do figurino já
molhada pela água que molhou o chão, CORTA PARA:
CENA
05 CASA DE BEATRIZ INT/NOITE
O
médico conversa com Beatriz e Heloisa, Alfredo observa tudo de longe.
MÉDICO:
[...] A fragilidade do resfriado e um vacilo na alimentação possibilitaram uma
queda de pressão... Preparem uma sopa e fiquem de olho nela, é o necessário por
enquanto, mas vou pedir alguns exames... Precisamos saber, com mais detalhes,
como está aí dentro!
HELOISA:
Agora posso ir tranquila, que susto que você nos deu Beatriz!
MÉDICO:
Eu faço questão de lhe deixar em casa, uma cortesia de um velho amigo...
HELOISA:
Vou aceitar, a essa hora arrumar um táxi é uma tarefa não muito agradável...
ANA:
Muito obrigada, não tenho palavras para lhe agradecer o cuidado da senhora com
a minha mãe...
HELOISA:
Eu e ela somos amigas a anos, estranho seria se eu a abandonasse!
BEATRIZ:
Parem de falar de mim como se eu tivesse inválida ou morrido: estou aqui e sou
todos ouvidos!
HELOISA:
Pois escute o nosso sermão: coma direitinho e se cuide, odeio ir a velórios, e
com você no centro das atenções de uma cerimônia como essa, quem vai costurar
um modelito exclusivo em ceda preta para mim?
BEATRIZ:
Seu senso de humor é mórbido!
As
duas riem.
ANA:
Vou acompanhar vocês até a porta, ela precisa descansar, tente dormir mamãe e
talvez acorde menos teimosa!
Ana
leva Heloisa para um cantinho mais reservado.
ANA:
Não sei como lhe falar isso... Mas eu sei que a senhora é a mãe da atriz, da
Carla... Eu trabalho lá na emissora onde ela está rodando uma minissérie...
HELOISA:
Que coincidência querida! Que privilégio trabalhar tão perto de alguém com
tanto talento e luz própria como a minha filha! Está com vergonha de pedir um
autógrafo? Posso conseguir um facilmente, não tenha vergonha de me pedir!
ANA:
Não sou exatamente o tipo que coleciona autógrafos de celebridades e artistas,
mas isso não vem ao caso... É o seguinte, eu estava assistindo uma gravação da
sua filha... E ela simplesmente
abandonou o processo pela metade!
Heloisa
ameaça desmaiar e é acudida pelo médico.
HELOISA:
O que será que aconteceu?
ANA:
Presumo que algo grave...
HELOISA:
Minha filha é muito profissional, não abandonaria o set de filmagens se não
tivesse um motivo forte para tanto! Obrigada por me avisar, estou na
obscuridade como vocês da produção!
Heloisa
se levanta tomando forças e vai em direção a porta.
ANA:
Dê uma ligada pro Paulo, ele precisa de notícias também!
CORTA
PARA:
CENA
06 CASA DE CARLA INT/NOITE
A
água escorre do banheiro e inunda toda a casa. No quarto, Carla abre o guarda
roupa exatamente na parte onde as roupas de Pedro estão guardadas.
CARLA:
O canalha apenas levou o que tinha de melhor e mais caro!
Ela
arranca tudo com violência.
CARLA:
Que se contente com meia dúzia de gravatas de seda e umas camisetas de marca!
Não vai levar mais uma cueca daqui!
Ela
procura no quarto algo, seus olhos se fixam numa tesoura de ponta escondida
entre escovas de cabelo na penteadeira. Em pleno surto, ataca as roupas como se
tentasse atingir as tripas de um homem adulto, chora sofregamente.
CARLA:
(Chorando) Eu não devia me desfazer, me perder... mas não consigo!
Ela
rasga as camisas, perfura calças, recorta botões e punhos.
CARLA: Você não tinha o direito! Não podia me
abandonar!
Ela
se levanta, pega um maço de cigarros escondido na gaveta de meias do marido,
retira dos seios um isqueiro e acende um cigarro para si.
CARLA:
Ele acabou com a minha vida, pisoteou o meu coração, nada mais justo que eu
acabe com os meus pulmões!
Ela
despeja os outros cigarros sobre a pilha de roupas destruídas, abre um vidro de
perfume e sente o odor invadir o ambiente.
CARLA:
Ele sempre teve um mal gosto incontestável para escolher perfumes! Escolhe
sempre os mais doces, os mais fortes, os mais marcantes!
Ela
também despeja o líquido sobre a pilha.
CARLA:
Sempre me disse que nunca tive ação, sempre tomada por uma letárgica
natural... Cruel e bem-sucedido em me
desestabilizar!
Ela
acende o isqueiro e despeja sobre a pilha, que em segundos, devido ao álcool do
perfume, torna-se uma bola de chamas, CORTA PARA:
CENA
07 CASA DE BEATRIZ INT/NOITE
Ana
abaixa o fogo de uma canja que está fazendo para a mãe, Alfredo a olha do outro
lado da cozinha. O silêncio reina durante um certo tempo.
ALFREDO:
Por que você nunca me deu uma chance?
ANA:
Olha, não estou a fim de conversa, não!
ALFREDO:
Eu preciso falar, a mais de trinta anos coisas precisam ser ditas!
ANA:
Se é pra dizer coisas desagradáveis, melhor nos calarmos por mais trinta,
quarenta anos...
ALFREDO:
Uma chance, apenas uma chance!
ANA:
(Irritada) Uma chance pra quê? Pra causar mais sofrimento, para abrir feridas
já cicatrizadas?
ALFREDO:
Pra que eu possa me explicar...
ANA:
Mas eu não preciso de explicação nenhuma! Já estou muito satisfeita com a minha
visão dos fatos dos acontecimentos!
ALFREDO:
Nós nos apaixonamos, um amor que passou por tanta coisa, que perpassou tanto
tempo e tantos acontecimentos!
Ele
se aproxima dela.
ANA:
(Irritada) Fique longe de mim! Não lhe dei liberdade para se aproximar de mim!
Ela
empunha a colher de pau que estava usando na direção dele.
ANA:
Ele era o seu melhor amigo! Ele viu naquelas coisas horrorosas que você
pintava, arte, beleza... E transformou em dinheiro! Fez de você mais do que seu
caráter e sua índole mereciam!
ALFREDO:
Um dia, você gostou de mim... Sorriu pra mim quando ainda era uma criança... Eu
sei que pode me perdoar, se quiser...
ANA:
Mas eu não quero, felizmente não preciso e não quero perdoar e conviver com
você...
ALFREDO:
(Triste) Não me negue a oportunidade de mudar essa visão ruim que tem de mim...
ANA:
Não complique as coisas, vamos nos limitar ao mínimo de contato, pelo bem da
minha mãe...
Ele
se afasta tristonho, CORTA PARA:
CENA
08 CASA DE CARLA INT/NOITE
Heloisa
abre a porta e entra com Pedrinho no colo.
HELOISA:
Sua mãe surtou e se esqueceu de te pegar na creche! Pobrezinho! Onde seu pai se
meteu também?
A
criança faz uma carinha de dúvida. Heloisa avança e sente seus sapatos
molhados.
HELOISA:
Meu Deus! Uma enchente, era só o que me faltava!
Ela
segue o rastro d’água até o banheiro e fecha a torneira da pia.
HELOISA:
Logo na folga da empregada!
O
cheiro de queimado aguça o seu olfato, ela sai correndo atrás de sua fonte:
encontra a filha desmaiada no quarto em meio a uma nuvem de fumaça.
HELOISA:
Minha filha! Meu Deus! O que aconteceu!
CORTA
PARA:
CENA
10 APARTAMENTO DE GISELE INT/NOITE
Gisele
serve um jantarzinho caprichado para o marido.
GISELE:
Bon appétit!
LÚCIO:
Tô com uma fome insaciável! Está tudo com uma cara ótima!
GISELE:
Abre o vinho, por favor! Não precisa encher, me dar dor de cabeça...
LÚCIO:
Ok, senhorita!
GISELE:
Obrigada, cavalheiro. Mas posso saber onde você andava o dia todo? Eu cheguei
em casa hoje e não achei viva alma...
LÚCIO:
Tava lutando, cansei de ficar esperando a minha sorte mudar sozinha! E
consegui... Ou pelo menos dei o primeiro passo... E acho que fui sucedido:
arrumei um trampo!
Gisele se levanta e beija o marido, em
feliz comemoração.
GISELE: Estou muito feliz por você,
finalmente tomou a decisão certa!
LÚCIO: Você já deve ter se acostumado
comigo, sou como um carro velho: só pego no tranco e depois que deram a partida
perigo morrer no meio do caminho!
GISELE: Estou aqui, do seu lado: se parar
na metade, lhe dou um sacolejo e duvido se não volta a pegar!
LÚCIO: Cuidado não me desmantelar de vez!
Os dois se beijam num êxtase de
felicidade, CORTA PARA:
CENA 11 CASA DE LIZA INT/NOITE
Liza assiste a novela, Pedro termina de
arrumar suas coisas no quarto, entra na sala e senta-se no sofá ao lado dela.
PEDRO: Você precisa arrumar um lugar pra
eu pôr meus livros...
LIZA: Amanhã farei uma faxina, vou jogar
umas tralhas fora e arrumar um espacinho pra você...
PEDRO: Acho que não precisa, basta me
arrumar uma caixa de papelão resistente...
LIZA: Pensei que tivesse mais amor pelos
seus livros... Uma caixa de papelão? Não têm pena dos coitadinhos?
PEDRO: Pena eu tenho do meu filho, e além
do mais será por pouco tempo...
LIZA: Por pouco tempo?
PEDRO: Nós não vamos ficar morando aqui
por muito tempo, vou procurar um apartamento...
LIZA: Eu gosto daqui...
PEDRO: Não tem cabimento três pessoas
ficarem espremidas aqui!
Liza o abraça.
LIZA: Eu vou sentir saudades, das minhas
coisinhas, das minhas plantinhas... dá Júlia...
PEDRO: Ela não deve ficar muito triste...
Essa kitnet não deve ter nem dez metros quadrados!
Ela bate nele de leve.
LIZA: Não estraga o meu sonho sendo
indelicado, tá tão lindo... Tenho até medo de acordar...
Ela coloca a cabeça no ombro dele e os
dois ficam em silêncio, CORTA PARA:
CENA 12 APARTAMENTO DE ANA INT/NOITE
Ana dá instruções a Lívia pelo celular.
LÍVIA: [...] Já coloquei as plantas na
varanda pra tomar um arzinho... E eu peguei café emprestado, lá em casa estamos
sem suprimentos estou quase contrabandeando uma sexta básica inteira...
ANA: (Por telefone) Ela dormiu, eu vou
ficar por aqui mesmo, não vou me sentir tranquila longe...
LÍVIA: E os eu Alfredo, cuidado não bater
nele e ir parar na delegacia levando uma acusação de maus-tratos contra
idosos...
ANA: Felizmente acho que ele entendeu,
fica cada um no seu canto e não vamos precisar trocar um mísero boa noite...
Tchau amiga, preciso arrumar um cantinho pra dormir aqui na sala, depois a
gente se fala...
LÍVIA: Tchau. Eu vou fechar tudo aqui e
levar a chave reserva, depois te entrego de volta... Quem hoje em dia ainda
guarda chave debaixo do tapete?
Risos no telefone, Lívia desliga. Ela se
prepara para sair, mas sua imagem refletida no espelho da sala de jantar
chama-lhe a atenção: ela mexe nos cabelos, vaidosa. Escuta um barulho.
LÍVIA: Será que eu deixei a porta aberta?
Mas eu tenho quase certeza que tranquei por dentro...
Ela passa para a sala de jantar: dá de
cara com Carlo entrando e mochila nas costas, como se estivesse voltando apenas
de um fim de semana na praia.
LÍVIA: (Surpresa) Você?
Ele sorri, CORTA PARA:
CENA 13 CASA DE CARLA INT/NOITE
Carla está sentada na cama, enrolada em um
toalha cor-de-rosa, Heloisa entra.
HELOISA: Ai filha! Outro susto desses e
sua mãe não aguenta!
Ela nada responde, apenas olha para a
parede.
Heloisa se ajoelha aos pés da filha e
aperta suas mãos contra as suas.
HELOISA: O mundo não acabou...
Carla balbucia:
CARLA: O meu mundo acabou sim.
HELOISA: (Enfurecida) O seu mundo não pode
se resumir a aquele lobo em pele de cordeiro! O seu mundo, o mundo que você
merece, é bem maior do que isso...
CARLA: Podia parecer pequeno pra você,
mãe... Pra mim era imenso... Cabia aqui...
Ela aperta o peito do lado do coração, com
força.
HELOISA: Quão mais perfeito por fora, mas
podre por dentro... A madeira estragada pelos cupins, parece perfeita por
fora...
CARLA: Não importa, não importa
mais... Se tudo era uma ilusão...
HELOISA: Nessas horas a gente se apega as
coisas boas, os poucos momentos realmente felizes... Pensa nos defeitos, nas
brigas, no lado ruim! Vai se sentir melhor!
CARLA: A gente nunca brigou, sempre
resolveu tudo na boa e velha conversa...
HELOISA: Sempre achei muito estranho, e
sendo franca como nunca pude ser, isso sempre me cheirou a hipocrisia, da parte
dele é claro...
CARLA: Por mais que eu examine a minha
conduta, a nossa vida juntos... Não sei apontar aonde desandou, onde deu
errado... Como se tudo tivesse escorrido entre os meus dedos sem que eu
percebesse... Dói muito mais! Se eu soubesse onde errei...
HELOISA: A mulher nunca erra, a mulher é
sempre a certa! Deixe de besteira. Dê graças a Deus que ele saiu na maciota,
como um ratinho asqueroso e lhe poupou tempo e a vergonha de aparecer nesse
estado na frente dele!
Heloisa se levanta se vira para o espelho
e limpa o cantinho da boca onde o batom está borrado.
HELOISA: Acredite: hoje você chora, amanhã
quando cruzar com ele na rua vai é terá vergonha por ter derramado uma lágrima
por causa dele!
CARLA: Mas eu não choro por ele, choro por
mim mesma... Por sair tão vazia, sem nada pra me orgulhar ou me arrepender,
dessa relação...
HELOISA: Acredite: carregar
arrependimentos nas costas não é nada agradável!
Em Carla pensativa, CORTA PARA:
CENA 14 APARTAMENTO DE PAULO INT/NOITE
Paulo fala com Ana pelo celular, na
cozinha contígua Leonora cozinha uma de suas iguarias.
PAULO: [...] Eu liguei pra minha tia, é
problemas na família, o marido dela saiu de casa... É foi...
ANA: (Por telefone) Nossa que chato! Agora
parece que começou uma epidemia de problemas familiares!
PAULO: Espero que sua mãe melhore...
Talvez amanhã eu passe aí...
ANA: (Abafando um certo nervosismo) Não,
não precisa... Graças a Deus ela tá bem melhor já... É só um resfriado... Ela não se cuida direito, mas eu vou ficar no
pé dela...
PAULO: Isso... Se não pode virar uma coisa
séria... Têm que ficar de olho...
ANA: Tão fofa essa sua preocupação! Fico
até com pena de desligar, mas não poso ficar mais tempo na linha...
PAULO: Vá lá cuidar da sua mãe, boa noite
meu anjo!
Leonora escuta toda a conversa ao pé do
ouvido, Paulo desliga.
LEONORA: Eu sempre imaginei que o
casamento da tua prima ia descer ralo abaixo quando ela voltasse pra tv, mas
nem a mais amargurada das videntes preveria tanta rapidez... A minissérie nem
estreou, ela nem colheu os louros, a fama e aclamação... Não deu tempo de ele
ficar com ciúmes...
PAULO: Mas eles eram tão casal de
comercial de margarina....
LEONORA: Por fora toda família é feliz,
mas basta dar uma olhadinha direito...
PAULO: Todas as famílias felizes são
iguais, as infelizes...
LEONORA: São cada uma a sua maneira!
Tólstoi era um sábio, ainda que mal resolvido com a comida e as mulheres...
Pega aquele vidrinho ali na prateleira pra mim!
PAULO: Não mata falar “por favor” não,
mãe! É esse?
LEONORA:
Esse daí mesmo... “Por favor” não é exatamente uma palavra do léxico das
mães...
PAULO: Não me recordo de você usando essa
palavra com ninguém, nem com os bichões lá da emissora...
Ele passa o tempero para a mãe que despeja
uma quantidade na panela.
LEONORA: Não combina com a minha
personalidade...
PAULO: Será que a rainha da Inglaterra
também se recusa a usar “Por favor” e “Obrigado”?
LEONORA: Não me compare com essa senhora:
sou uma mulher moderna, não sou uma admiradora da monarquia...
PAULO: Também não sou, reis e rainhas
atualmente só combinam com livros e filmes... Ou talvez uma novela medieval!
LEONORA: Não inventa mon cher, nosso
orçamento não comporta dessas extravagâncias...
PAULO: Que nada, a gente pega um chorma,
reutiliza umas caixas de papelão!
Leonora faz uma careta, o filho olha o que
a mãe mexe na panela.
PAULO: É pro jantar?
LEONORA: Nem pense em colocar suas
mãozinhas gulosas aqui! Estou preparando uns petiscos pra levar amanhã pra
gravação, os ânimos não devem estar nada bons...
Paulo olha com cara de pidão para a
panela, CORTA PARA:
CENA 15 APARTAMENTO DE ANA INT/NOITE
Lívia encara Carlo.
CARLO: Eu tenho a chave ainda...
LÍVIA: Admiro a sua coragem: sumir durante
meses e voltar, com o rabo entre as pernas, como se nada tivesse acontecido...
CARLO: Não tenho que te dar explicação
alguma, é um problema meu e da Ana, não que seja um problema por que sempre foi
assim... Não costumamos anular as necessidades um do outro...
LÍVIA: Não se esqueça que esse apartamento
não é seu! É apenas dela, você não pode entrar e sair como se fosse a casa da
mãe Joana!
CARLO: Ela me deu uma chave, ela confia em
mim... Ou pelo menos confiou, se essa confiança não existe mais, eu devolvo a
chave a ELA, sem problemas...
LÍVIA: Olha... Essa conversa já me cansou,
em poucos minutos... Sua cara lavada, é difícil de suportar por muito tempo!
CARLO: Não necessito que você goste de mim
ou vá com a minha cara.
LÍVIA: Eu vou saindo, amanhã faça o favor
de pôr as plantas de volta pra sala... A Ana talvez dê uma passadinha aqui, a
mãe está doente... Aproveita ai, quem sabe ela não tem um relance de sensatez e
amor-próprio e te bota pra correr a sapatadas!
Quando ela está com o pé na porta, ele
para.
CARLO: Espera!
LÍVIA: O que?
CARLO: Você continua chata, mas chata
ainda do que eu me lembrava...
Ela faz uma careta e sai raivosa. Ela
entra no elevador e aperta com força os botões.
LÍVIA: E pior que esse desgraçado tá ainda
mais gostoso...
FIM DO CAPÍTULO.
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