Nos Trilhos: Capítulo 24 (PENÚLTIMO CAPÍTULO)


Novela de

Sandy

 

Escrita por

Sandy


 Classificação: 



Personagens deste capítulo:

ANA e antítese de Ana (Carolina Kasting)

CARLO (Danton Mello)

GISELE (Christine Fernandes)

LÍVIA (Lucy Ramos)

BEATRIZ (Nívea Maria)

CARLA (Débora Falabella)

LIZA (Vivianne Pasmanter)

NANDO (Chay Suede)

PAULO (Murilo Benício)

PEDRO (Dan stulbach)

LEILA (Giovanna Rispoli)

HELOISA (Ângela Vieira)

LÚCIO (Dalton Vigh)

LOLA (Maria Clara Gueiros)

HEITOR (Marcelo Médici)

HENRIQUE (Petrônio Gotinjo)

MAXIMILIANO (Emílio Orciollo Netto)

VIRGÍLIO (Marcelo Melo jr.)

VIRGINIA (Lavínia Vlasak)

CAROLINA (Isabel Fillardis)

LEANDRO (Fernando Pavão)

BELLA (Barbara França)

EMÍLIO (Danilo Mesquita)

FRANCO (Marcos Caruso)

 

Título do capítulo de hoje: "Lar doce Lar".




CENA 01 SÍTIO DE FRANCO INT/NOITE



 

Ana e Franco se entreolham, sentados na mesa de madeira carcomida, e poucos iluminados por uma lâmpada de luz amarela. Ele serve para o casal café em dois copos de requeijão.

 

FRACO: Tantos anos, tanto tempo...

 

ANA: Parece que se passaram séculos...

 

Ele solta um sorrisinho amarelo.

 

FRACO: Passaram algumas décadas, a última vez que eu ti eu era um homem bonito, vistoso... Hoje já sou um quase careca grisalho...

 

CARLO: Careca grisalho, é meio poético o que o senhor disse!

 

FRANCO: Mas eu não sou poeta, não recebi instrução, sou um bicho do mato. Nunca sai aqui do meu cantinho e a minha sobrinha também nunca veio me visitar! Mas não, a culpa não é minha ou da Aninha... Aposto que aquele homem e a minha irmã que não deixavam você aparecer! E agora tá aqui de surpresa...

 

ANA: E no meio da noite!

 

Os três ficam um tempo em silêncio mutuo.

 

ANA: Quem gostava de estudar era a minha mãe, não é?

 

FRANCO: Era mais capricho, ela nunca foi lá muito inteligente, como todos na nossa família... Somos burros por natureza, menos você, eu sei que a Aninha é inteligente e bonita!

 

Tio e sobrinha dão-se as mãos.

 

FRANCO: Ela queria afrontar a família, afrontar o marido... Queria por que queria voltar a estudar, entrar na escola noturna... Não queria ganhar flores, queria ganhar livros... Jogava todos os buquês que recebia na lata de lixo!

 

ANA: Até os deles?

 

Carlo morde o lábio inferior, sabendo que estão se referindo a Alfredo.

 

FRANCO: No início sim, o teu pai batia nela se aceitasse presentes de outros homens, ainda mais os que ela recusava até dele... Aquele salafrário a conquistou primeiro emprestando, dando livros... Certamente roubados de alguma banca de jornal ou biblioteca... Eram ensebados, cheiravam a poeira e gordura...

 

Carlo e Ana se entreolham novamente, enquanto Franco sorve o café de seu copo na penumbra, CORTA PARA:

 

CENA 2 RESTAURANTE INT/NOITE



 

Carla e Pedro terminam de comer.

 

CARLA: Vamos pedir a conta?

 

PEDRO: Só depois que você me acompanhar em uma dose de vinho tinto, e não aceito uma recusa como resposta!

 

CARLA: Nem pensei em recusar, estou com a garganta seca... Nos últimos tempos tenho sobrecarregado a minha voz: muito texto, muita gravação...

 

PEDRO:  Poupe mesmo sua voz, quem sabe um dia possa adicionar um musical entre as tuas experiências profissionais!

 

CARLA: No chuveiro eu cantava pessimamente, duvido que no palco seria diferente...

 

Os dois sorriem, um garçom serve o vinho para ambos, corta para:

 

CENA 03 APARTAMENTO DE LEONORA INT/NOITE



 

Com uma mão na boca, roendo as unhas, e outra segurando um copo de martini, Leonora não consegue afastar os fantasmas do passado.

 

FLASHBAK ON:

 

A jovem Leonora dá um tapa forte no rosto de sua melhor amiga, a jovem Beatriz.

 

LEONORA: Eu poderia perdoar todos os teus pecados, inclusive aqueles que são pistas de uma enorme falta de caráter, mas infidelidade! Traição! Você me apunhalou pelas costas, roubou a única coisa de verdade que eu tinha!

 

BEATRIZ: Você é muito hipócrita! Eu não fiz nada pelas suas costas, eu não tive nada com o Alfredo enquanto vocês estavam nesse namoro, nesse casamento, nesse caso aí sem nome ou certidão!

 

LEONORA: Como é cínica! Traição não igual o que você faz por trás das costas do Evandro, do teu marido, aceitando presentes e saindo com o primeiro cara que cruza o teu caminho na rua! Eu falo de sentimentos, de afeições, de algo mais profundo... Mas essas coisas você nunca vai entender!

 

BEATRIZ: Falar agora em sentimentos elevados é fácil, mas o Alfredo nunca esteve dentre as tuas prioridades essa é a verdade... Você ia trocar ele por algum velho endinheirado, dar um golpe do baú e ele ia ficar a ver navios! Sorte que ele caiu na real antes e pulou fora dessa canoa furada!

 

Leonora dá outro tapão na oponente.

 

LEONORA: Não importa como eu tratava o Alfredo, não importa se eu poderia transformá-lo no maior pintor contemporâneo do país, quiçá do mundo! Não importa que o que você pode oferecer a ele seja uma chuva de chumbo nas costas, vindo da espingarda do teu marido!

 

BEATRIZ: E o que importa então, se não o seu ego, a sua empáfia de querer mudar todos a tua volta e fazê-los se encaixar numa forma egoísta?

 

LEONORA: Importa o que nós tínhamos e a senhora fez questão de jogar no lixo! Você era minha melhor amiga, a pessoa em que eu mais confiava no mundo... Eu acreditava que no meio de todas as nossas competições, existia algo maior, mais puro e mais elevado!

 

FLASHBACK OFF.

 

Em prantos, Leonora joga o copo sobre a parede e ele se desfaz em pedaços, CORTA PARA:

 

CENA 04 SÍTIO DE FRANCO INT/NOITE

 

Franco começa a arrumar um lugar na sala para Carlo dormir.

 

FRANCO: A minha sobrinha dorme comigo no quarto, ela na cama e eu no chão! Você fica aqui no sofá!

 

Tio e sobrinha se abraçam.

 

ANA: Nada disso, eu durmo no chão e o senhor termina o seu descanso na sua cama.

 

FRANCO: Nunca que eu vou deixar uma dama dormir no chão, nunca!

 

Ele fez uma mesura meio entrevada e beija a mão da sobrinha.

 

FRANCO: Eu nunca vou deixar uma dama dormir no chão, nunca!

 

Os dois sorriem novamente.

 

ANA: O senhor me acha parecida com ela?

 

O olhar de Franco se anuvia.

 

FRANCO: Um pouco, talvez o olhar, mas você é serena, doce... Sabe onde pisa, sabe onde pode ou não pisar! Você é centrada, controlada, nunca deixaria se afundar... Sua mãe, desde jovenzinha, era descontrolada e incontrolável e não houve surra que eu ou o nosso pai, ou aquele corno do Evandro, que corrigisse a falta de vergonha na cara dela! Espero que pelo menos, agora na velhice, tenha assentado na vida!

 

Ana baixa a cabeça.

 

ANA: Sabe por que viemos, e por que precisamos te ver?

 

Ana e Carlo engolem seco.

 

ANA: Mamãe sumiu, fugiu, pegou as suas coisas, rasgou as fotos e as lembranças e foi embora, com aquele homem... Eu vim, por que eu não sabia onde procurar, ou o que fazer... Preciso da tua ajuda...

 

A expressão de felicidade desaparece do rosto de Franco.

 

FRANCO: Infelizmente eu acho que não vou poder ajudar, tenho plena certeza que esse barraco caindo aos pedaços seria o último lugar que aqueles safados iam vir se abrigar! Acho que você perdeu a viagem!

 

ANA: (Suplicante) O senhor pode vir com a gente, sabe melhor do que eu onde procurar...

 

FRANCO: Mas eu não quero sair do meu canto, tô aqui quieto e vocês vieram me atazanar... Podem ficar aqui o quanto precisarem, mas a minha ajuda eu não posso dar! E eu orar, orar pra aquela ordinária nunca mais aparecer, nem na minha vida e nem na de vocês!

 

Franco entra no quarto, CORTA PARA:

 

CENA 05 RESTAURANTE EXT/NOITE



 

Carla sai do restaurante, levemente alterada pela ingestão de bebida, sendo apoiada por Pedro.

 

CARLA: Que vexame! Ando fraca pra bebida mesmo, nem bebi tanto assim!

 

PEDRO: Eu bebi mais que você e tô legal ainda...

 

Eles vão até o táxi, no meio do trajeto ela quase cai e ele a segura forte entre os seus braços.

 

CARLA: Melhor não me abandonar e ir de táxi comigo, melhor não dirigir...

 

PEDRO: Vou te deixar lá e depois vou pedir pro manobrista levar o meu carro pro meu endereço, nunca mais vou te abandonar de novo!

 

Ela nada responde, os dois se entreolham atordoados pelo vinho e pelo vento frio do ambiente externo; de repente, ela o beija, e sente o cheiro da bebida nos bigodes dele, CORTA PARA:

 

CENA 06 CASA DE CARLA INT/NOITE

 

Heloisa entra na cozinha trajada com seu roupão de ceda e começa a beber um copo d’água. Carla entra em casa pela porta da cozinha, segurando seu casaco entre os braços.

 

HELOISA: O Max tava aí, te esperou até meia-noite...

 

CARLA: Que cabeça a minha! Sai pra jantar e jogar conversa fora com umas amigas, acabei esquecendo e avisar!

 

HELOISA: Ele é um doce de pessoa, acho que não ficou chateado...

Heloisa sente cheiro de álcool.

 

HELOISA: Andou bebendo? Você nunca foi disso, que estranho...

 

CARLA: Sabe como é... entre amigas... começamos com uma taça de vinho... quando eu vi já tinha perdido a contas de quantas eu havia tomado...

 

HELOISA: Vou voltar a dormir, melhor você tomar uma ducha gelada, ou vai acordar com uma baita enxaqueca!

 

Heloisa sai em direção ao seu quarto, Carla faz um mesmo, mas vagarosamente, passando as mãos pelos móveis sentindo a energia do ambiente; desembarca no seu quarto e se joga na cama de casal, sem tirar a roupar, CORTA PARA:

 

CENA 07 SÍTIO DE FRANCO INT/NOITE

 

Franco ronca, deitado num colchonete. Ana, deitada na cama de barriga para cima, conserva os olhos arregalados, sem conseguir dormir.

 

FLASHBACK ON:

 

Ana em sua infância, assiste uma briga feia entre o tio e a mãe, por causa do vestido vermelho que ela ganhou de Alfredo.

 

FRANCO: É melhor tirar essa porcaria! É um desrespeito, com o teu marido, com o meu amigo e comigo, com o teu irmão!

 

BEATRIZ: Não tiro nada! É um presente, de coração, coisa que você nunca vai entender! Por que você não se dá, não se doa a ninguém, só suga! Franco, o parasita! Viveu a vida inteira na aba de mamãe, na minha aba e agora quer viver na aba do meu marido!

 

FRANCO: Não devia o assunto, ou tu achas que ele vai gostar de te ver vestida como uma prostituta?! Você e o Evandro devem muito a mim, devem tudo a mim! Sou que arrumo quem compre essas monstruosidades que ele pinta!

 

BEATRIZ: Eu me sinto bem com esse vestido, me sinto bonita, desejada! Nada, nem ninguém, no mundo inteiro, vai me fazer tirá-lo do meu corpo!

 

Beatriz abraça o próprio corpo com voluptuosidade.

 

FRANCO: Vai sim, oh se vai!

 

Franco rasga o vestido no corpo de Beatriz, aos olhos assustados da pequena Ana.

FLASH BACK OFF.

 

Perseguida por seus fantasmas, Ana se enrola com um cobertor, e sai nas pontas do pé do quartinho apertado e escuro; ela encontra Carlo também acordado, deitado no sofá-cama desconfortável.



 

ANA: Tem um lugarzinho aí? Não consegui pegar no sono...

 

CARLO: Também não... Claro que sim, sempre vai haver um lugar pra você perto de mim...

 

Ana se joga nos braços de Carlo, e ele ajeita a cabeça dela sobre o seu peito, os dois permanecem em silêncio durante algum tempo.

 

ANA: Não tem jeito, por mais que eu tente me afastar de você, alguma coisa mais forte me precipita para tua direção... É uma espécie de calvário e é mais forte do que eu!

 

CARLO: Talvez, nas nossas completas incongruências, tenhamos sido feitos um por outro... Eu sempre penso nisso a noite, quando estou totalmente no escuro, quando não estou vendo mais ninguém e só escuto os sons da noite...

 

ANA: Talvez seja verdade...

 

Eles se beijam no escuro, CORTA PARA:

 

CENA 08 SÍTIO DE FRANCO EXT/DIA

 

Imagens do dia amanhecendo na vasta área rural: Carlo e Ana saem, antes de Franco acordar e sem tomar café, entram no carro e seguem viagem.

 

ANA: (Em off) Sem despedidas, sem nos machucarmos novamente, ou cutucar feridas antigas...

 

CORTA PARA:

 

CENA 09 CENTRO MOVIMENTADO DO RIO/DIA



 

Imagens da vida carioca. Lívia esbarra com Virginia na rua novamente.

 

LÍVIA: Com esse barrigão e saracoteando por aí?

 

VIRGÍNIA: Ocupada, mulher, trabalhando muito! Gravidez não é doença, e nada se resolve na editora sem minha presença física!

 

LÍVIA: É pra quando? Eu fico preocupada, é sério

 

VIRGÍNIA: Daqui a quatro semanas, se ele não teimar de vir ao mundo antes! Mas pode ficar tranquila, minha gravidez foi muito tranquila, apesar da minha idade...

 

As duas ficam conversando, quando são abordados por um delinquente.

 

LADRÃO: Passa a bolsa madame, rápido!

 

Elas não reagem ao assalto e se desfazem de seus pertences, mas o delinquente acaba dando um empurrão em Virginia, que por sorte é amparada pelos braços de Lívia e tudo acontece muito rápido. A grávida olha para os pés.

 

LÍVIA: Você está bem?

 

VIRGÍNIA: (Tremendo) Minha bolsa estourou!

 

As duas se entreolham, CORTA PARA:

 

CENA 10 APARTAMENTO DE LIZA INT/DIA



 

Liza toma café da manhã na varanda do apartamento, Julia chega e beija a amiga no rosto.

 

JULIA: Que cara de enterro é essa? Você tava tão animada com perspectiva da adoção?

 

LIZA: Não importa mais, caiu a minha ficha, o Pedro não quer esse filho...

 

JULIA: Ele te disse isso, assim com todas as letras?

 

LIZA: Não preciso que ele me diga nada, até prefiro que não diga mesmo, seria muito doloroso demais... A verdade é que eu só me agarrei a essa perspectiva de um filho, para tentar salvar meu casamento... Se é que a nossa relação algum dia já teve esse “status”!

 

JULIA: Você está muito seca hoje, e fatalista também...

 

LIZA: Ontem ele chegou tão tarde, de madrugada, cheirando a vinho... E com uma felicidade, uma alegria, que me oprimia, que me sufocava! E foi aí que me dei conta, que ele nunca foi meu, que nunca me amou! E apenas por vaidade, se agarrou de forma frugal a minha saia! Eu era uma tabua de salvação, hoje sou o próprio Titanic afundando em águas glaciais...

 

JULIA: Ele chega bêbado uma vez na vida e você já quer jogar tudo pro alto? Melhor respirar fundo e comprar um daqueles livros “COMO SALVAR MEU CASAMENTO”!

 

Liza sorve um gole de café e sorri tristemente, CORTA PARA:

 

CENA 11 ESTRADA DE TERRA/DIA

 

Carlo dirige, Ana descansa sua cabeça no ombro dele e fecha os olhos, a luz do sol incomoda a visão...

 

ANA: (Em off) Lutamos contra o passado, lutamos contra nós mesmos, mas nunca vencemos... É luta perdida desde o início, não adianta odiar, tentar espiar em nós mesmos ou nos outros, aquilo que somos... Não adianta querer ser diferentes dos nossos pais, tios avós: o sangue é poderoso, lá no fundo, no inconsciente,  somos ou fazemos o que tanto odiamos...

CORTA PARA:

 

CENA 12 HOSPITAL PÚBLICO INT/DIA

 

Lívia segura a mão de Virgínia, que é levada por uma maca para a sala do parto.

 

VIRGÍNIA: (Angustiada) Não me abandona, por favor, acho que não vou conseguir!

 

Lívia aperta a mão da amiga.

 

LÍVIA: Mas eu preciso ir atrás do seu marido!

 

VIRGÍNIA: Aquela criatura só vai aumentar minha agonia, não me deixa!

 

Lívia sorri para Virgínia.

 

LÍVIA: Eu posso entrar?

 

O obstetra assente com o olhar, CORTA PARA:

 

CENA 13 EDITORA SOGNARE INT/DIA



Henrique guarda os seus pertences em uma caixa de papelão, Gisele entra melancólica.

 

GISELE: Você, eu, nós não devíamos nos entregar com tanta facilidade!

 

HENRIQUE: Antes vender a editora, do que falir e perdemos o legado que ela representa para a cultura no Brasil...

 

GISELE: Mas como se pode abrir mão de um sonho, como se pode vender um sonho?

 

HENRIQUE: O meu sonho foi realizado: realizei vários sonhos, de vários autores e leitores, funcionários... É uma façanha, pois admito que fui pretensioso tentando dar uma de Fada Madrinha, de Mago Merlin...

 

Gisele não segura as lágrimas.

 

GISELE: Eu tinha tantas ideias, tantos planos para tentar salvar o seu sonho, se nós lutássemos...

 

HENRIQUE: Íamos acabar nos machucando, sofrendo, nos decepcionando... O melhor foi feito, dói mais inicialmente, mas vai prevenir traumas futuramente, acredite em mim...

 

Os dois se olham em silêncio, na parca luz do ambiente.

 

HENRIQUE: Levo comigo memórias, de felicidade, de entusiasmo de outros tempos...

 

GISELE: Eu te agradeço, por tudo, de verdade. Pena que nunca pude retribuir os teus sentimentos!

 

HENRIQUE: Nunca me queixei por te amar em silêncio, pra mim sempre foi um privilégio, um doce e doido privilégio!

 

Ela cai no choro nos braços dele, CORTA PARA:

 

CENA 14 HOSITAL INT/NOITE

 

Lívia sai para o corredor, tira a máscara e liga para Virgílio do seu celular.

 

VIRGÍLIO: (Por telefone) Lívia? Que surpresa! O que aconteceu, ligou para o número errado ou está trabalhando em uma daquelas empresa de telemarketing? Quer me oferecer um plano de internet?

 

LÍVIA: Não posso te dar detalhes, mas o teu filho nasceu!

 

VIRGÍLIO: Como? Aonde?

 

Virgílio desliga o celular e sai correndo de casa, largando uma vassoura no chão (ele estava arrumando o apartamento). No hospital, Lívia suspira, CORTA PARRA:

 

CENA 15 APARTAMENTO DE LÍVIA INT/NOITE

 

De banho tomado, Lívia toma um drink com Carolina.

 

LÍVIA: E ela não largou a minha mão durante todo o parto, ela deu a luz segurando a minha mão!

 

CAROLINA: Se você contar aos jornais, ninguém vai acreditar... Parece piada, mas na hora deve ter sido pesado, horas intermináveis, não é?

 

LÍVIA: Na teoria deveria ser, eu nunca fui amiga da Virgínia, somos quase desconhecidas uma da outra...

 

CAROLINA: E namorou a vida toda o marido dela, o pai da criança...

 

LÍVIA: É uma menina, é uma linda menininha... Não sei como, mas foi libertador, assistir o nascimento dessa menina, dessa futura sofredora... Foi como se eu fizesse as pazes, não com ela (nunca tivemos nenhuma rusga), mas com o mundo, com o Virgílio... 

 

CAROLINA: Então ficou feliz por ele?

 

LÍVIA: Sim, fico feliz que de certa forma, eu tenho alguma participação na realização dos sonhos que ele alimentou por tanto tempo...

 

Lívia balança o gelo que flutua no liquido do copo e o sorve delicadamente.

 

LÍVIA: Mas a minha participação nos sonhos dele só podia ser coadjuvante, já fechei as cortinas, mas talvez amanhã eu levante um pedacinho do pano: quero ver mãe e filha quando elas estiverem no quarto...

 

Lívia e Carolina ficam um certo tempo em silêncio.

 

CAROLINA: A Sognare abriu processo de falência, li no jornal hoje de manhã...

 

Lívia se levanta e abraça a irmã.

 

LÍVIA: Eu sinto muito, mas era esperado, você mesma abandonou o barco antes dele afundar de vez...

 

CAROLINA: Uma morte, por que é esperada, não dói menos. Se conformar com a dor não é ser inconstante! E eu não sai por que esse estágio era esperado, sai por que não podia ficar de stand by do Henrique a vida toda! A vida não é um romance, onde os esquisitos e invisíveis são notados de última hora, onde todo mundo encontra o seu par e vive feliz para sempre!

 

LÍVIA: Concordo, você precisava demais e correu atrás, e por isso eu te admiro tanto minha irmã, você é forte!

 

Carolina devolve o abraço da irmã.

 

CAROLINA: Fiz o certo, o melhor pra mim, pra ele, pra todos... Mas confesso: se eu fosse notada, não teria ido embora! Lutaria, com sangue e suor, e ficaríamos os dois juntos, como os violinistas que tocavam enquanto o Titanic afundava...

 

Carolina deixa escorrer algumas lágrimas, CORTA PARA:

 

CENA 16 CASA DE CARLA INT/NOITE

 

Carla sai de roupão do banheiro e vai tomar um copo d’água na cozinha, encontra um bilhete avisando que a mãe e a irmã levaram o Pedrinho para comer fora.

 

CARLA: Nem me convidaram! Eu queria também um pedaço de pizza quatro queijos!

 

A campainha toca, ela bebe a água lentamente, o som continua insistente. 

 

CARLA: Que chatice, agora as testemunhas de jeová chegaram no Leblon?

 

Ela ri da sua piada péssima e se dirige a passos lentos para atender a porta, a abre a porta devagar.

 

CARLA: Eu já tenho uma bíblia em casa, senhor...

 

E de dá de cara com Pedro, com enorme e lindo buquê de rosas vermelhas entre as mãos, e vestido com um traje elegante.

 

CARLA: Pedro?

 

Em Carla surpresa, CORTA PARA:

 

CENA 17 CASA DE EVANDRO EXT/NOITE

 

O carro de Carlo e Ana para num lugar ainda mais afastado que o sítio de Franco, e encoberto por mato e vegetação nativa, e eles descem, ela olha nos olhos dele e toca em seu ombro.

 

ANA: Eu preciso entrar sozinha dessa vez, qualquer coisa eu grito.

 

Ele assente com a cabeça. Ela se aproxima lentamente, bate e ninguém atende. Empurra a porta e descobre que está aberta; troca novamente olhares com Carlo, que lhe dá forças para continuar.

 

ANA: E lá vamos nós!

 

Ana some na escuridão do casebre.

 

FIM DO CAPÍTULO.


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